Há 60 anos surgiu Grande Sertão: Veredas. Aventuras e desventuras do jagunço Riobaldo, traçando uma imagem imortal de um sertão entre o imaginário e o real que expressa as dimensões do drama humano num ambiente absolutamente singular. Além disso, trata-se de uma experiência de linguagem que fez do livro uma das principais obras da literatura universal e brasileira.
Nesse livro, o sertão não é só “o penal, criminal”, como escreveu Guimarães Rosa. Ele mesmo lembrou que é o Chapadão, que beira até Goiás, e que “os gerais desentendem de tempo”. Lugar que carece de fechos e está em toda parte.
“Estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa ainda encontra”. E encontra, do de comer, a abóbora d´água; abóbora moranga; angu; assados e guisados; barreado; biaribu; caçaroladas; carne-de-sol; carne de suadouro; caruru; catana; churrasco; coité; curimatã; dourado; farinha de buriti; grelos de bambu; limonada de pêra-do-campo; mangaba; maria-gomes; lombo de capivara; mariquita; palmito; saieta; torresmos; requeijão; jacuba… “O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena”.
Tudo está no livro, não no cardápio de qualquer restaurante. Quem quiser comer do sertão, nem precisa ser jagunço ou vaqueiro - como na foto igualmente imortal de Maureen Bisilliat, que aqui se vê - mas precisa pesquisar como essa gente comia e come, porque está fora do tempo e do mundo das mercadorias, embora vivo e deleitante.
Vupes, um personagem que vai caminhando nas bordas do drama, era um mestre da cozinha do sertão, cozinheiro dos jagunços. Ribaldo diz sobre ele: “O senhor imagine: parecia que não se mealhava nada, mas ele pegava uma coisa aqui, outra coisinha ali, outra acolá – uma moranga, uns ovos, grelos de bambu, umas ervas – e, depois, quando se topava com uma casa mais melhorzinha, ele encomendava pago um jantar ou almoço, pratos diversos, farto real, ele mesmo ensinava a guisar, tudo virava iguarias!” Gente ligeira, itinerante, de pouca tralha. Talvez o pai da filosofia lobozó.
Os Vupes é que fazem o sertão de comer. O presente precisa de Vupes que, inclusive, leiam Guimarães Rosa. Leiam para achar o sertão que perderam entre os dedos, ao abrir a mão para tomar das gôndolas dos supermercados.
Vupes é olhar um Brasil de comer que pouca gente vê, entorpecido pelo excesso de técnicas, temperos e regras de harmonização. “De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem”.
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