24/02/2017

Escuta cozinheiro, o que você quer dizer com isso?

A mayonnaise se faz com gemas de ovos cruas às quais se incorpora temperos (mostarda, pimentas, vinagre) e óleo gota a gota, batendo sempre para emulsionar. Ela pode ser “collée” com “gelée” . Na mayonnaise à la russe, o vinagre é com estragão e raiz forte, e fica “mousseuse” por adição de “fonds de gelée”. Essa a descrição clássica, conforme a escola de Escoffier. É possível mudar alguma coisa? Claro. Pode ser com gema de ovos de pata, por exemplo, ou mudar o óleo, que não se especifica. Definições como essa servem para manter os princípios constitutivos, evitando que degenere.



Agora, na carbonara você pode substituir guanciale por bacon? E pode acrescentar creme de leite? Parece que não. Mas pode-se usar gema de ovo de pata. Acontece que ela não emulsiona bem, e quem a utiliza acrescenta creme de leite. Em outras palavras, essa receita parece ter degenerado mais do que a maionese. E "degenerado" significa que há cada vez menos pessoas a reconhecer a legibilidade do prato transformado.

Agora, os molhos (sauces) podem ser doces? Sim, classicamente há os de: abricó, chocolate, anglaise, cerejas, morango, framboesa, groselha, avelã, laranja, sabayon e xarope de caramelo. Acontece que, no português, distinguimos entre molhos salgados e doces, que chamamos caldas ou cremes. Calda de chocolate, creme sabayon. E, depois da nouvelle cuisine, surgiram os coulis, os polpas de fruta levemente adoçadas, utilizadas como “caldas”. Um coulis de manga não é um molho (sauce), nem uma “calda”. Houve uma criação ai.

Em compensação, chamamos de sorvete, indistintamente as glaces e os sorbets da terminologia clássica francesa. Uma confusão que borra os diferentes princípios constitutivos.


A cozinha, especialmente quando sujeita a modificações ou “modernizações”,  torna-se uma Babel. Só quem tenha cultura culinária suficiente pode se mover nesse terreno sem cometer barbarismos. Que são muitos. Já ouvi falar de filé parmegiana que não leva queijo, dito “parmegiana da casa”. Cada um segue o caminho que quer. Babel aceita todo mundo. Mas quem não quiser pegar esse caminho, na dúvida sempre pode consultar o Le répertoire de la cuisine, livro de dois alunos de Escoffier (Gringoire e Saulnier), escrito lá no distante ano de 1914.

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