É preciso ter claro que ética e estética caminham
juntas. Se o chef de cozinha optou por um caminho que resulte no reencantamento
do mundo, precisa fazê-lo pela trilha das aquisições estéticas...e éticas.
Ele persegue uma utopia. Um futuro distinto do
presente, baseado numa nova relação dos homens entre si e destes com a
natureza. E é a crescente adesão dos clientes a este tatear o futuro que irá
construir uma nova sociedade.
Trata-se, então, de uma mudança profunda nas relações
sociais hoje consagradas. Não é possível, por exemplo, construir uma
alimentação saudável e sem desperdícios nos estritos marcos do capitalismo
selvagem que hoje prepondera. O agronegócio, essa materialização da “revolução
verde” de meados do século passado, necessita ser capital intensivo, baseado em insumos, máquinas e variedades vegetais
que, garantindo ampla produtividade do trabalho, maximizem lucros. Não é assim que se alimentará "o planeta inteiro", como os neo-malthusianos acreditam. O
agronegócio consome a natureza em proporções alarmantes: destrói a
biodiversidade, esgota a produtividade natural e a substitui por uma
produtividade artificial que torna o campo uma extensão da indústria. Utiliza
insumos que destroem o próprio homem: os agrotóxicos.
Construir um caminho que afaste-nos desse beco sem saída
é o desafio que se coloca a todas as pessoas conscientes e àquelas que, pela
posição na estrutura produtiva, podem mudar os rumos da cadeia alimentar. O
chef de cozinha pertence a essa gama de pessoas.
Do ponto de vista ético o que ele precisa é trabalhar
essa diretriz no dia a dia, mudando radicalmente o sentido da sua produção. Do
ponto de vista estético, projetar e construir suas fantasias sobre uma nova
base material limpa de agrotóxicos, por exemplo.
Tenho insistido muito na necessidade de se substituir o
salmão de granja pelo salmão selvagem; e
poderia acrescentar o tomate de cultivo convencional pelo tomate orgânico, assim
como o pimentão, o abacaxi, etc. Essa atitude corresponderia a simplesmente
levar a sério o acumulo de conhecimentos sobre os malefícios produzidos pelo
modelo convencional de agricultura e piscicultura.
E por que os chefs não o fazem com facilidade? Em
primeiro lugar porque, em vez de educar o mercado, curvam-se a ele de modo
acrítico e subserviente. Ficou para trás aquele “heroísmo” de chefs que
simplesmente se recusavam a servir Coca-Cola ou suco de laranja em seus
restaurantes. O que evoluiu parece ter sido a subserviência, conduzida pela
competição acirrada, e não a independência e o esclarecimento do próprio
público.
A alienação do chef consiste justamente em não ter
posição definida, deixando ao mercado a tarefa de, no seu jogo cego, “resolver”
os conflitos entre modelos alimentares.
A construção de novas ciladas parece ser o caminho
perseguido com frequência. Uma solução de compromisso que nada soluciona. Por exemplo, fazer
farinha na casa, a partir de grãos orgânicos, mas seguindo na utilização do tomate envenenado. São tantas as estratégias de auto-engano e
engano deliberado que seria tedioso listar.
A ética é apenas a opção por um caminho de verdade, sem
meias verdades ou meias opções. Por isso, é necessária uma “revolução ética” na
cozinha atual, não uma contemporização com dois modelos: o do agronegócio e o
da produção agroecológica.
Os chefs de cozinha estão em posição de dar o seu
testemunho prático sobre a necessidade dessa revolução. Optar pela vida, num
contexto de fomento das práticas que encaminham a morte, é reencantar o mundo.
Adjetivos como “artesanal”, “natural”, “orgânico”, nada
representam se não estiverem imersos numa nova concepção de vida e trabalho que
solidarize dos produtores aos consumidores finais, numa cadeia alimentar
voltada para o sustento da vida e o combate à morte.
É claro que a opção é de cada um. Mas que estejam
certos de que, mais dia menos dia, a consciência social que vai se formando
saberá alijá-los do caminho do bom, do belo e do agradável, se não souberem agir desde já como parteiros do futuro.
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