Como os chefs proprietários enxergam seu negócio como
empreendimento econômico? É freqüente propagarem aos quatro ventos que “dão emprego” a muita gente, e pagam
impostos excessivos. Mas se nos
detivermos com atenção sobre isso talvez tenhamos outra compreensão.
“Dar” emprego é uma licença poética que frisa sua
relevância social. Mas podemos entender também que a criação de valor depende
totalmente da produção material, de sorte que seus cozinheiros é que geram a
riqueza da qual se apropriará de parte. Assim como os garçons e demais
prestadores de serviço dentro do restaurante e o próprio governo que arrecada
impostos.
Sem produção material de comida não há o que vender. Logo é o
cozinheiro que “dá” ao proprietário do capital a oportunidade de crescer, não ao
contrário. Mas esse cozinheiro também não tem remédio: está ali a produzir
porque não tem outra coisa a fazer para ganhar a vida. Portanto, produz aos
outros e a si próprio.
Quando o chef é famoso, poderá oferecer ao mercado um certo
número de vagas de estágio, convertendo a própria fama em capital. Os estagiários
em geral não ganham nada. Só experiência. Em troca, cozinham de graça, baixando
o custo de produção do restaurante e, não raro, ajudando a comprimir os
salários no piso da categoria. Um chef amigo me disse que foi Adrià quem
inventou esse modelo de “cozinha de estagiários”. Não sei dizer, mas é
plausível.
Os estagiários não são evidentemente pau pra qualquer
obra. Há uma hierarquia na cozinha. Do chef ao pia. Estagiário nunca se
submeterá a ser “pia”. Preferirá, antes,
voltar ao curso de engenharia, que abandonou ao abraçar o sonho da cozinha.
A turma do salão, acha que vive das gorjetas e do seu
registro em carteira. É verdade, mas esquece que a produção da cozinha é que garante
a roda girando, e não sua subserviência ao cliente. Reclama quando a cozinha
participa da “caixinha” por pura ingratidão.
O chef-propietário gaba-se de seu passado, quando ele
mesmo carregava tudo nas costas, junto com sua mulher no caixa e pouquíssimos “colaboradores”
(outro eufemismo para empregado). Não consegue entender que “explorava” a si próprio
e à mulher, de modo que pode guardar dinheiro e transformá-lo em capital, quando passou a
explorar terceiros.
Sim, e tem a questão dos impostos. Gaba-se de “pagar
impostos”. Mas será que os impostos são dele, para poder “pagar” ou não? Os
impostos são do governo (embutidos no produto da
atividade) e ele mero arrecadador. Não “pagar” significa roubar o governo, a sociedade. O único imposto
que realmente paga do seu bolso é o imposto sobre lucros auferidos e, claro, o
imposto de renda.
Ele não gosta de pagar impostos, pois obtém quase nada “em
troca”, a corrupção, etc. É verdade. Mas ai é outra questão: se omite na luta
pelas causas públicas, vota mal ao escolher seus representantes, etc, etc.
Os cozinheiros, por sua vez, querem regulamentar a
profissão. Só quem tiver cursos específicos poderá cozinhar. Cursos
certificados, registro profissional. Assim eliminarão a concorrência de quem
trabalha inclusive de graça, valorizando-se, isto é, supostamente ganhando
mais.
Mundo fascinante este das relações do trabalho em restaurantes!
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