19/07/2018

Sobre o hambúrguer e a pizza



A insistência, nos últimos anos, na moda do hambúrguer “gourmet” e, agora, na pizza “gourmet”, dão o que pensar. Afinal, por que a ideia de se “comer bem” foi habitar o coração do sempre apontado como o “comer mal” popular? Pizza de padaria, hambúrguer do MacDonald.

O trabalho investido sobre esses produtos de conhecimento amplo parece ser mais visível pelo contraste com o padrão dominante. Daí, em tempo de penúrias, parecer um trabalho mais útil o de “melhorar” o banal, o medíocre e mesmo o “ruim”.  Diferente do chef ou candidato a chef que dá duro numa cozinha complexa e apartada do público pelo inacessível que se tornou o restaurante “diferenciado”.



Os food trucks também colaboraram para esse destaque. Tão limitados, tinham mesmo que se destacar a partir do que a clientela mais buscava. Atrás, vieram os críticos-de-instagram capazes  de reconhecer de longe (ou mesmo longe) o “melhor” de qualquer coisa. Daí, seguem-se as competições visando o melhor dos melhores, o realmente “gourmet”, premiado pelas revistas de gastronomia em concursos com muito cambalacho. 

Mas se nos apartarmos desse mundo de competição, da condição de árbitro do nada, vemos que, em paralelo, também se deu uma revolução na panificação.
Primeiro pela difusão do neo-tamagoshi que é o fermento dito levain, depois pela moda do “sem glúten”, da quinoa, etc.

 O pão renasceu das cinzas que dele haviam feito a indústria e seus produtos para supermercados e as padarias-de-portugues que, há décadas, venderam a alma para os pré-mix.

O pão voltou a ser uma atividade doméstica. Ele que havia sido expulso de casa por preguiça e comodismo de quem cozinha. O repovoamento das casas pelo pão mostra que a esperança de se vencer a adversidade alimentar, a mediocridade, voltou a pulsar viva entre os comensais. Um bom pão não é um mistério, apenas fruto da atenção e da perseverança.

O hambúrguer é também pão. Assim como a pizza. Admitir que tenham um valor maior quando bem feitos é mais fácil do que saber apreciar um ponto correto de um pescado, um uma moqueca que não seja um poço de leite de coco e dendê. Ou mesmo um pudim de leite correto.

Através do pão doméstico, do hambúrguer e da pizza públicos, é todo um exército de neo-gourmands que entra em campo, constituindo a base de uma gastronomia mais horizontalizada por conta de preços mais acessíveis, do despojamento dos estabelecimentos (foi preciso dizer que você pode comer com a mão em pratinhos de papelão!), da simplificação do serviço que, boca torta, nos custa os olhos da cara. É um movimento simpático.

Mas como todo terreno novo, logo começam a pulular os aventureiros e mistificadores. Por exemplo: mais do que o ponto da carne, preferem cuidar daquelas que entram na composição do hambúrguer (maminha, picanha, angus ou Kobe, etc etc). Restauram a ideia odiosa, gastronomicamente incorreta, de “carne de primeira” e “carne de segunda”, como se uma coisa mal feita fosse um defeito atávico dos bois. Naturalizam a qualidade de um trabalho que não sabem executar. E cobram mais quando o resultado é menos.

De novo, começa-se a exigir do cliente muito critério. Traz-se para o terreno do simples, momentaneamente conquistado, a complexidade de juízos que só os iniciados experientes são portadores.

Comer é assim mesmo, complexo. Mas, como diz um destacado crítico, eu só queria jantar...


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