30/04/2012

´50 Best: last in, first out

“Y el piso, esa seguridad de nuestros pasos,
¿qué esconde debajo del parqué lustrado?”
(Julio Cortázar)


É feito à semelhança de uma salada de Oscar e bolsa de valores, essa premiação da revista Restaurant. No seu site, um cronômetro vai descascando o tempo, segundo a segundo, como uma cebola, aproximando a anunciação. E eis que podemos assistir a premiação ao vivo, transmitida no Facebook, página Fine Dining Lovers, e ficamos sabendo que o 1º lugar coube de novo ao Noma; o último (50º) ao Nahm de Bangkok e de todos os que estão no intervalo, marcando graus numa escala de excelência. Gostamos ou não gostamos, conferimos o nosso critério de acordo com o critério dos votantes, nos surpreendemos com novidades.

De novo, o grande salto de Alex Atala! Uma certa decepção na pequena queda de Massimo Bottura. Aparecem asiaticos por todo lado, mexicanos, peruanos, australianos, norte-americanos - e a sensação é que, definitivamente, a cozinha é policentrica, a França e a Espanha perderão a hegemonia para sempre.

A excitação é grande. Reverbera no mundo todo por dias e dias, como que provando que gastronomia é emoção. Mas, como disse Adrià, essa “é uma lista assassina, as pessoas ficam só esperando que o René Redzepi caia da primeira posição, e quando for outro no lugar dele, acontecerá o mesmo”. Quer dizer, é emoção competitiva - essa coisa que move a economia das grandes corporações e firma um modelo de comportamento que se insinua por todos os poros da sociedade. A carreira de Thomas Keller, homenageada no evento, parece nos confirmar isso. Enfim, gastronomia já não é mero acolhimento no território do agradável.

E a Restaurant está tão segura no caminho que traçou nos últimos 10 anos que já se sente à vontade para fazer política escancaradamente. Ao eleger Elena Arzak the world´s best female chef facilita a transição do restaurante de mãos do velho guerreiro, Juan Mari Arzak, para a nova geração. Ano passado foi Anne-Sophie Pic. Vejo algo de machista em manter apartado o valor feminino na cozinha. O próprio Escoffier, defendendo o domínio masculino, dizia que as mulheres são menos inventivas.

Pessoalmente, sou mais Helena Rizzo (51º, subiu 23!), Roberta Sudbrack (71º lugar) - que são próximas e, em matéria de qualidade, não devem nada a ninguém - mas isso não importa, isso não conta, visto que aqui é mais próximo do fim do mundo e ninguém me perguntou coisa alguma. Como diz o editor da revista, o prêmio “é votado pela própria indústria de restaurantes - é o reconhecimento de alguém feito por seus pares”. Mesmo assim, as gurias chegarão lá! É só esperar.

E o que revela de mais duradouro a lista do ´50 Best Award? Seu editor declarou em entrevista: “entre os 50 melhores do mundo, entende-se que as tendências que se delinearam nestes anos são a valorização da cozinha regional, a cozinha de terroir. E percebe-se que a simplicidade de sabores vai tomando o lugar de truques e artifícios. É evidente também a maior apreciação de diferentes estilos de cozinhas e o uso de ingredientes do mundo”. 


Em outras palavras, a “tendência” (seja lá o que isso significa) parece ser o esfacelamento dos conceitos anteriores, da cozinha ilusionista, voltada para surpreender, baseada em avanços técnicos - o que imortalizou o “estilo Adrià”.

A volta ao terroir, à cozinha regional - ainda que agora globalizadamente - é semelhante ao movimento realizado pela nouvelle cuisine nos anos ´70, quando evocava a “cozinha das avós” ou olhava para o oriente. É também, para a critica especializada que tenha memória, um reconhecimento de que Santi Santamaria, quando atacava Adrià no seu livro Cozinha a Nú, estava já à frente do seu tempo, preconizando isso que vemos Restaurant consagrar: menos espuma, menos químicos, mais “origens”. Enfim, estamos claramente num momento de reação, de restauração termidoriana - não de avanço ou evolução que desdobre os horizontes que Adrià revolucionou.

A modernização foi imensa na última década. A gastronomia molecular foi entendida e os chefs passaram por aggiornamento - com Adrià quilometros à frente, fazendo do próprio exercício de atualização uma trajetoria espetaculosa, fascinante, cativante. Mas, como toda mágica, quando conseguimos entender como produz a ilusão, perde nosso interesse.

Mas gastronomia é isso mesmo, um movimento pendular entre o novo, o surpreendente - que chamamos de “moderno” - e o aconhego da mesmice, da tradição, dos sabores arquiconhecidos, do solo seguro. Existe algo mais tradicional do que a boa cozinha japonesa, ou a chinesa?

Já contei aqui algo sobre os menus de Massimo Bottura que pude comer recentemente na Osteria Francescana. A sua versão da culinária tradicional é muito boa. Mais do que bastante; muita gente jamais chegaria ao seu menu senzacioni, que são os seus experimentos, bastante distantes do que reza a tradizione.

Mas o que mais me chamou a atenção na cozinha desse grande cozinheiro é que ele se dispõe a apresentar esses dois menus quase antagonicos, em termos de estética palatal, para que o cliente escolha; e, ainda, um terceiro menu - classici - composto pelos pratos preferidos da clientela ao longo de toda a existência da Osteria. Essa “democracia” que ele oferece no seu restaurante bem reflete seu caráter generoso, mas também expressa a indecisão do momento atual: afinal, para onde vamos? E Bottura não tem razões para se arriscar, como todos que sabem que o caminho - quando não está traçado - se faz pelo próprio caminhar. Para mim, pela sua estratégia, ele subiu; não desceu um ponto no ranking.

3 comentários:

Anônimo disse...

não aguento a cara esse desse ruivo de caldo de potinho

Anônimo disse...

achei ótimo, Dória.
Essa mistura de Oscar com bolsa de valores é um filme de ficção que assistimos de longe (uns de nós, de perto), E, na realidade, o filme não importa muito e não muda nada na vida de todos os que, diariamente, comem. É mais entretenimento que comida de verdade.
Silvia

Alexandra Forbes disse...

hmmmm.... caríssimo CA Dória, essa frase do Adrià me soa MUITO familiar, onde o sr a ouviu? ;)

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