27/05/2012

Entre o grude e a gosma, a natureza inerte

Quando não gostamos de um alimento não é raro dizermos que é porque é “grudento”, como se ele aderisse a nós independentemente de nossa vontade. Gororoba é em geral grudenta. Talvez falte leveza à coisa, mas o “grude” é o que vai um pouco além da falta de leveza, estabelecendo uma relação que não queremos com as coisas do mundo.

O visgo das frutas, como a jaca. Tanto quanto o cheiro peculiar, o visgo é convocado como razão do desapreço. Frutas delicadas, como o abiu, também possuem visgo. Dai talvez a razão de sua pouca popularidade. O mesmo ocorre com o sapoti.

Mas a gosma, esta sim é repulsiva! A gosma do quiabo é a quintessência do mundo gosmento. Você já teve curiosidade de pesquisar quantos textos há na net ensinando estratagemas para se livrar da “gosmência” do quiabo? Parecem querer ancorá-lo no mundo do comestível.

O peixe também tem sua “gosma” ao sair do rio. Antes de se comer, tira-se as escamas, lava-se com limão. Devemos nos certificar de que a gosma foi embora pelo ralo, libertando o alimento para o consumo tranquilo. Mas o quiabo persiste sempre. A menos que seja frito, quase perdendo sua identidade de quiabo.
O mundo comestível deve estar lá, apto a ser capturado sem reações de sua parte. Não deve grudar, nem escorrer pelo vão dos dedos, parecendo ter vontade própria. O mundo sereno e inerte, maleável, calmamente disponível, parece confirmar a soberania da nossa vontade sobre as coisas da natureza.

Aqueles que acreditam que o gosto é uma experiência multissensorial, dando importância a coisas como o gomoso, o ardido, o adstringente, o crocante, o insípido, o inodoro, devem levar em conta também essa oposição: o grudento e o gosmento.

6 comentários:

Ju Saad disse...

Acima do grude e da gosma paira o gosto, né Dória? O sabor genuíno. Bjo

e-BocaLivre disse...

Ju,

diria que "sob", e não "sobre"... Bjo

Ju Saad disse...

Boa! Bjo

André Borges Lopes disse...

Caro professor Dória.

Há pouco tempo descobri que nossa consagrada e inquieta chef Roberta Sudbbrack menciona, em seu abandonado blog, um sonho meio lisérgico sobre quiabos falantes, no qual rejeita a eliminação da gosma e diz que "depois de muito estudo e pesquisas exaustivas conseguimos desenvolver um processo artesanal de concentração e aprisionamento dessa gelatina na própria semente do quiabo, o que chamamos de caviar vegetal.” (http://robertasudbrack.com.br/blog/2011/05/quiabos-me-mordam/).

Não tive oportunidade de compartilhar do sonho, ou mesmo de saber se o resultado convence.

O fato é que, nas minhas aventuras artesanais com frangos e quiabos, dispenso a técnica da fritura, mas passo horas a fio em luta tenaz contra a gosma, até obter a plena libertação dos quiabos.

Só assim para convencer as platéias mais enojadas a encarar essa iguaria mineira. Em geral, relutam, mas não se arrependem.

Mas, confesso, o sonho da Roberta por vezes tem me tirado o sono.

Sandro (Um Litro de Letras) disse...

Dória, uma matéria de um neuromarketeiro no Estadão de hoje afirma que o momento de maior prazer ao se degustar um Cheetos é quando ele gruda no céu da boca.

Bia Freitag disse...

Gosmento é uma característica intrínseca de vários alimentos, entre eles o quiabo (que, por sinal, eu adoro, mesmo com um pouquinho de baba). Agora, "gororoba" é imperdoável! Não é uma característica natural, é um acidente culinário completo!!rs... Eu costumava comer em um bandejão da empresa e identificamos a existência da "papa universal": uma mistura de água e farinha, base para molhos, Cremes, purês, pudins... Pura "gororoba"!!

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