25/11/2016

Nos cozidos indígenas está a origem da cozinha brasileira


Aquelas pessoas ainda apegadas ao mito tradicional da formação da culinária brasileira têm, como categoria central de análise, a miscigenação. Mas poucos sabem discorrer sobre como isso se deu concretamente. Em geral se satisfazem com uma formulação de cunho colonialista: os brasileiros foram assimilando, aos poucos, os ingredientes nativos em técnicas européias. Será?

Aquela gente que, de Portugal, vinha ter ao Brasil não era exatamente muito sofisticada. A economia rural portuguesa, por mais que hoje gostemos dela e de suas tradições, era bastante elementar e, por decorrência, a sua cozinha. Predominavam os cozidos e, nas carnes, o porco e a galinha;  além do pão. 

E qual não foi o entusiasmo dos portugueses ao encontrarem aqui a farinha de mandioca, que tomaram por “pão da terra”! Mas o estudo mais acurado da culinária indígena mostra que eles também possuíam seus cozidos, dos quais se serviam a qualquer hora do dia, quando tinham fome. Nesses potes de cozidos encontrava-se o milho, a mandioca, os feijões, as abóboras, a batata-doce e, às vezes, um pedaço de caça. Os negros, trazidos da África, também possuíam uma culinária assemelhada, com legumes e carnes das suas terras. Afinal, a cerâmica data do neolítico.


Desse modo talvez seja mais próprio dizer que nos cozidos, na potaria, deu-se o denominador comum onde se processaram as trocas dos ingredientes domesticados em diferentes tradições étnicas. A feijoada é um exemplo claro dessa dimensão da elaboração comum num cozido. E havia inúmeras “feijoadas”, assim como outras tantas preparações de potaria sem o feijão. Posteriormente, potes cozidos diretamente sobre o fogo na parte externa da casa, entraram nelas e ganharam lugar no fogão de lenha, se “abrasileirando” e “desindianizando” em caldeirões de ferro.

Então seria legitimo dizer que “as técnicas indígenas”, nessa primeira fase, assimilaram os ingredientes europeus. O porco, por exemplo, tão ligado à identidade cristã na península ibérica, distinguindo-os dos mouros e judeus que não o consumiam, teve, no Brasil, a mesma função simbólica até se tornar a carne por excelência da nossa culinária popular.

E assim se geraram os cozidões de carnes - como o afogado caipira, o barreado paranaense, a panelada de campanha mineira, o pintado do sertão da Bahia, etc, numa imensa coleção de pratos fundadores da culinária brasileira. 

Só uma visão evolucionista, que não faz sentido em culinária, pode sustentar o primado das técnicas européias sobre as de origem indígena ou africana nos primeiros tempos. É claro que a “imposição técnica” se deu, sim, mas em outros enquadramentos, como na doçaria dos conventos, nos hábitos cortesãos, etc, o que não pode obscurecer as “origens”. Não fosse assim, seria necessário praticar uma violência sem igual e generalizada para impor uma culinária - como tentaram fazer inutilmente os jesuítas ao proibir o consumo do mate, etc. 








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