O turdilli é um doce calabres que frequentava a mesa de meu avo de Salerno em todos os natais. Não lembro de um natal sem esse doce ao tempo em que ele era vivo. Em casa, sob súplicas, minha mãe admitia repetir no aniversário de um dos filhos pidões.
Pesquisando suas receita vê-se variações: com fermento, com ovo, com açúcar na massa. A versão de minha família era bem simples: iguais quantidades de vinho tinto e óleo, acrescentando-se farinha até dar liga para fazer nhoques. Frita-se os nhoques, coloca-se calda de mel diluída em pouca água e pronto. No dia seguinte sempre é mais gostoso do que no dia que foi feito.
Muito tempo depois, vários professores da Unicamp combinaram fazer um almoço de fim de ano no qual cada um levaria o “doce de família”. E lá fui eu, orgulhoso, com o turdilli. Simplesmente ninguém, fora eu, tocou no turdilli. Do mesmo modo que as demais sobremesas quase só foram consumidas por quem as levou.
Conclui que, cada família, é uma ostra gustativa. Cada uma é feliz à sua maneira, ao contrário da celebre frase de Tolstoi em Ana Karenina.
E, hoje, fico pensando o que exatamente quer dizer “cozinha afetiva”, “cozinha das avós”, “cozinha com amor” quando deslocada, arrancados seus pratos, do contexto familiar onde foram adotados. Quer dizer coisa nenhuma. Não sei como tanta gente consegue driblar esse fato no mercado, promovendo cursos, degustações, produção desse tipo de cozinha. O mesmo em relação àqueles que querem “resgatar” velhas receitas.
A gastronomia só existe na esfera pública. O que se faz na esfera privada, como exemplo de excelência, não pode-se comparar entre elas. Todas tem valor equivalente, e provavelmente baixo valor fora do círculo familiar.
Continuo com o meu turdilli, junto com meus irmãos, e você continue com o que for, mas não venha me dizer que devo comer o que você faz. Há momentos de unir e há momentos de separar os afetos.
3 comentários:
A gastronomia é pública e as memórias gustativas são particulares. Mas nada impede que compartilhemos as nossas histórias. É sempre uma oportunidade de resgatar as memórias afetivas. Não sei se o turdilli é bom... Eu provavelmente, ao menos provaria... Já a sua história é muito saborosa. Obrigada por compartilhar.
Eu tive essa experiência também ao levá-los na casa de uns amigos. Esse Natal é o primeiro sem a minha mãe e, amanhã o farei sozinha em homenagem a ela.
A julgar pela foto aqui postada, o turdilli não é um doce que atrai pela apresentação. Se estivesse nesse encontro talvez meus olhos me guiassem até uma escultural fatia de mil folhas. Ou, na ausência desta, meu cérebro me aconselharia a ficar em algum terreno conhecido como uma fatia de bolo de fubá ou um pedaço de cocada. Mas arrisco dizer que a dinâmica do grupo seria outra se as sobremesas estivessem acompanhadas de histórias, memórias, causos. Saber a origem, em que ocasiões eram servidas, quem fazia, como e com quais ingredientes, despertaria no mínimo a curiosidade. Se a pessoa contasse alguma passagem divertida ou mesmo trágica envolvendo a tal receita, aí então seria como mergulhar a própria madeleine na xícara de chá alheia e, assim, viajar pelas memórias do outro. Saboroso, não?
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