A aprovação da lei Nº 13.680, que “discriminaliza” a
produção artesanal brasileira é expressão de uma luta de décadas para criar-se
um regime especial de vigilância, não se considerando mais o artesanato alimentar
como um igual à grande industria alimentar.
Quando participei da
formação da Ong Sertaobras (http://www.sertaobras.org.br/quemsomos/historico-sertaobras/)
há uma década, acompanhei de perto a ação da fiscalização contra os produtores
de queijo canastra. As autoridades tinham todo o direito de confiscar os
queijos “clandestinos” e inutilizá-los, jogando creolina sobre eles na beira da
estrada. Recentemente ganhou repercussão
nacional o episódio de apreensão de queijos comercializados por Roberta
Sudbrack em evento no Rio de Janeiro.
Todos sabemos que o direito do Estado esterilizar o
trabalho dos cidadãos é algo inconcebível no regime de produção livre. No entanto era
assim, graças à subordinação do artesanato à legislação geral a que a indústria
alimentar deve obedecer. A falta de reconhecimento das diferenças na produção era a razão
desse tratamento. Ao menos até o advento da lei Nº 13.180, de 22 de
outubro de 2015, sancionado por Dilma, e que definia a profissão de artesão, como aquela que “presume o exercício de atividade predominantemente manual, que
pode contar com o auxílio de ferramentas e outros equipamentos, desde que visem
a assegurar qualidade, segurança e, quando couber, observância às normas
oficiais aplicáveis ao produto”, dentre os quais a produção alimentar. E, finalmente,
a decretação da Lei Nº 13.680 de 14 de junho de 2018, reconhecendo
que a produção artesanal terá um regime especial de fiscalização e gozará do
direito de circulação em todo o território nacional, mesmo sendo fiscalizada
pelos órgãos estaduais.
O desenvolvimento do sistema de fiscalização se fez no Brasil à sombra
do desenvolvimento da própria industria de grande porte e não é de espantar que
consagre regras que só ela pode cumprir. Mas a luta de milhares de produtores
artesanais, urbanos e rurais, haveria de repercutir na estrutura do Estado,
mais cedo ou mais tarde. É o que começou a acontecer.
Novos capítulos se seguirão. É
sabido que os estados podem acrescer novas restrições à lei federal, não
podendo contudo diminuir aquelas impostas pela legislação federal. Pode-se,
assim, imaginar um cenário no qual as lutas dos artesãos alimentares se
reproduzirão, agora contra a nova competência estadual.
Como situação ideal, será desejável, além de um ambiente de liberdade de
produção de alimentos sadios, a livre associação dos produtores por
especialidade, em torno de conselhos reguladores que ditem normas homogêneas
para os afiliados. É o que acontece em toda a Europa, por exemplo, existindo
casos de regulações bem avançadas, como na Cataluña. Não se deve, pois, cantar vitória antes do tempo.
Seja como for, o importante é reter que essa linha de evolução só é
garantida por muita luta, pela mobilização ampla dos interessados e com o apoio
dos consumidores urbanos. É preciso criar o clima, o espírito, de consagração
desse modelo alimentar, distinto daquele irremediavelmente comprometido com o
grande capital e com práticas produtivas em geral em conflito com o respeito às
leis naturais que regem o meio ambiente.
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