Graças ao rolo compressor da bancada ruralista para aprovar
o pacote do veneno (PL 6299), a sociedade brasileira esta tendo a oportunidade
de discutir a disseminação da morte através da sua alimentação. Sabedores de que agrotóxico mata, esses senhores
inventaram um eufemismo: há, para eles, um “risco aceitável” em oposição ao
inaceitável.
Sendo a nossa vida única, para nós todo risco identificável
é inaceitável, e quando a Secretaria da Saúde publica dados sobre as
ocorrências de câncer em cada município de São Paulo, percebemos que umas
cidades, mais que outras, concentram um numero absurdo de ocorrências. Estas,
por sua vez, são atribuídas por cientistas analistas ao consumo involuntário de
agrotóxicos presentes principalmente nas lavouras de monocultura.
Pôr-se a salvo desses riscos, significa tomar nas próprias
mãos a responsabilidade de rever o
modelo de produção agrícola, especialmente da monocultura praticada pela
maioria esmagadora do agronegócio.
Não adianta lavar o pimentão para livrar-se do veneno. Este
age em nível celular. Está impregnado na estrutura do fruto. Assim como a soja
e o milho que o boi, o porco ou o frango comem para chegar à nossa mesa. Todo o
veneno residual deságua em nosso prato, em doses “aceitáveis” ou não,
acumulando-se em nosso organismo de modo a produzir uma série de doenças, como
o câncer.
Não há como escapar dessa lógica, exceto mudando a dieta
para zero agrotóxicos. É o que a Dinamarca, por exemplo, tem como meta para
2020. Será o primeiro país livre de agrotóxicos.
Entre nós prevalece o raciocínio de que o uso de veneno é
inevitável para alimentar toda a população. Essa naturalização do risco é o que
o tornaria “aceitável”. Assim, o raciocínio dos envenenadores consiste em nos
encurralar no dilema da morte por fome ou por envenenamento. O que você
preferiria?
Esse falso dilema, do qual os dinamarqueses irão escapar, apóia-se
ainda no argumento de que a agricultura orgânica, no Brasil, representa apenas
1% do consumo de alimentos. Existem 4 milhões de propriedades familiares no
Brasil e elas são responsáveis por 70% do que chega à nossa mesa. Convencer cerca
de 12 milhões de produtores a abrirem mão do uso de veneno não é fácil. É
preciso a sociedade demandar esse tipo de produto, o Estado apoiar a transição
do modelo tradicional para o novo, com crédito, assistência técnica, logística,
etc.
Especialmente as classes médias urbanas são levadas ao conformismo,
até pela falta de esclarecimento. São submetidas cotidianamente à propaganda de
produtos nocivos à saúde e aos argumentos alienados de nutricionistas. Por
exemplo, nutricionistas que prescrevem dietas propagam a quatro ventos as virtudes do salmão de
granja – “rico em Omega 3” – sem alertarem a população para o fato de que
atualmente, e mundialmente, esse tipo de peixe é considerado o alimento que
mais riscos traz à saúde.
Mas nós não somos prisioneiros da morte por envenenamento.
Foram os governos, apoiados numa opinião pública inerte, que nos impuseram o
modelo de produção que só beneficia o agribusiness.
Romper com isso é uma luta de titãs. Vai desde a mudança de
hábitos individuais de consumo até a imposição ao Estado de metas “dinamarquesas”.
Aqueles que trabalham na cadeia de alimentação, possuem um
papel estratégico na conversão para uma agricultura limpa. O consumidor quer
alternativas e esclarecimento sobre o que leva à boca. É nessa cadeia, que liga
o produtor à mesa de cada um, que as alternativas e esclarecimentos devem
prosperar. Na alimentação fora do lar, por exemplo, é preciso que ela se
estabeleça com clareza.
Não é fácil. Imagine a profusão de restaurantes japoneses
nas grandes cidades que oferecem, na hora do almoço, o indefectível sushi de
salmão. O público “exige” e o proprietário entrega a porção de veneno cotidiano
que irá matar parte dos seus clientes. O mesmo no uso de pimentões, tomates,
morangos. Mas a política é também a arte das intenções, e a intenção de nos
livrar dos venenos exige escolhas cotidianas. Por exemplo, oferecer tomates orgânicos
em vez daqueles impregnados por venenos; oferecer salmão selvagem ou peixes de
captura e assim por diante. A comodidade (a preguiça de enfrentar as dificuldades inerentes a uma nova escolha), a facilidade de adotar produtos
nocivos, tornam o cozinheiro, o dono do restaurante, cúmplices e agentes da morte
de longo prazo.
O mesmo raciocínio vale para os governantes que se omitem
diante do problema. O confortável argumento da “nutrição” acoberta o incomodo
convívio com os princípios de morte.
Se a bancada ruralista nos fez o favor de colocar a
discussão da saúde e alimentação no centro do debate político, é hora de tirar
dela o monopólio do discurso alimentar. O que você irá fazer nesse sentido?
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