Paladar anda tão magrinho (4 páginas) que bem poderia compensar com matérias mais legíveis, porque feitas com maior zelo. Na edição de hoje, dois erros gritantes. Um de concordância ("teste a força da chama do seu maçarico e ajustá-lo de acordo com o uso..."). Outro, também de concordância da imagem com a legenda na página 2 (o tagliatelle negro do La Frontera é de outra cor.... e não mostra o prometido polvo grelhado).
Tá bem: "Veja errou", mas para um suplemento tão pouco momentoso não seria possível devotar maior atenção? Vamos caprichar gente...afinal é uma publicação que fica vendo se maçarico funciona ou não funciona, se o camarada passa suficiente margarina (sic) antes de fazer o pão na chapa, e não consegue entregar uma escrita impecável (confundiu outro dia expresso com espresso, lembra?). Por que?
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11/02/2016
01/10/2015
A "modinha de descomplicar"
Interessante como se forma o discurso ideológico em torno da gastronomia. É como uma pedra que cria limo... Capa do Paladar de hoje: “o Brasil sem vergonha de ser simples”. Mas, pergunto, quem tinha vergonha?
As farinhas, as PANCs, o quiabo, o jiló, o chuchu, a galinha d´angola. Nada disso é “simples” por natureza. Roberta Sudbrack já mostrou, por exemplo, como o jiló é complexo. A complexidade de um ingrediente expressa a sua riqueza. E a boa culinária nacional nascerá da dedicação dos cozinheiros à complexidade do que é especial para a nossa cozinha. O que esses ingredientes tem de particular é falarem muito de perto com os consumidores, pois integram a dieta popular. Eles têm grande legibilidade, é isso. Basta mostrar que eles possuem também vários ângulos aproveitáveis, escondidos além das formas tradicionais de consumi-los.
O que Paladar quer dizer - e mistura as coisas indevidamente - é que é necessário “desgourmetizar”. Afinal, quem criou o “espírito gourmetizador”, como já indiquei aqui ao escrever sobre o "entulho gourmet", foi especialmente a aliança da imprensa com os chefinhos e chefetes deslumbrados com as modas internacionais, com a tecnologia sem propósito, etc. É a crise econômica que, sem pedir licença, provoca a “desgourmetização”. E a imprensa vem, de novo, querer apresentar esse movimento como uma nova “moda”!
Parece que não há discurso gastronômico sem modinhas. Ledo engano. Basta olhar com atenção o Brasil e, especialmente, o seu interior. É isso que os chefs precisam fazer - e farão. Falta a imprensa fazer o mesmo.
As farinhas, as PANCs, o quiabo, o jiló, o chuchu, a galinha d´angola. Nada disso é “simples” por natureza. Roberta Sudbrack já mostrou, por exemplo, como o jiló é complexo. A complexidade de um ingrediente expressa a sua riqueza. E a boa culinária nacional nascerá da dedicação dos cozinheiros à complexidade do que é especial para a nossa cozinha. O que esses ingredientes tem de particular é falarem muito de perto com os consumidores, pois integram a dieta popular. Eles têm grande legibilidade, é isso. Basta mostrar que eles possuem também vários ângulos aproveitáveis, escondidos além das formas tradicionais de consumi-los.
O que Paladar quer dizer - e mistura as coisas indevidamente - é que é necessário “desgourmetizar”. Afinal, quem criou o “espírito gourmetizador”, como já indiquei aqui ao escrever sobre o "entulho gourmet", foi especialmente a aliança da imprensa com os chefinhos e chefetes deslumbrados com as modas internacionais, com a tecnologia sem propósito, etc. É a crise econômica que, sem pedir licença, provoca a “desgourmetização”. E a imprensa vem, de novo, querer apresentar esse movimento como uma nova “moda”!
Parece que não há discurso gastronômico sem modinhas. Ledo engano. Basta olhar com atenção o Brasil e, especialmente, o seu interior. É isso que os chefs precisam fazer - e farão. Falta a imprensa fazer o mesmo.
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Leitor de 5ª
17/06/2015
São Paulo, terra da hidroponia gustativa
Uma matéria de Flávia Pinho no ex-Comida da Folha lança a pergunta que não quer calar: por que essa moda thai “não pega” em São Paulo?” Lista o abre-fecha de restaurantes com essa “inspiração” nos últimos anos. Vão ali explicações dos entrevistados que culpam desde a falta de ingredientes “autênticos” (afinal, galanga não é gengibre!) até uma má vontade do público com sabores diferentes.
E se nos perguntássemos o contrário: “por que a moda thai deveria pegar em São Paulo, onde até cozinhas africanas e bolivarianas vem conquistando seu espaço?” Francamente, não vejo o porquê. Nós não temos uma comunidade de tailandeses em São Paulo, quando se sabe que são as comunidades de imigrantes que formam aquela demanda básica para que cozinheiros procedentes dessas origens sintam o entusiasmo mínimo para ir em frente. Há mais de 10 anos Nina Horta abordou isso e eu também dei meus pitacos, dizendo que a Tailândia é um país imaginário, como a Bulgária do escritor Campos de Carvalho. Ambas existem, claro, mas à sua maneira.
O modo brasileiro de a Tailândia existir é na imaginação de alguns cozinheiros que provavelmente se encantaram com a sua cozinha lá pelas bandas de Paris, ou mesmo dando uma razia por aquela distante Indochina. Aliás, a Indochina não existe. É uma invenção do colonialismo francês. E, como ficção, é melhor ler O amante, de Marguerite Duras, que se passa naquelas bandas, do que montar uma excursão para descobrir "raízes" de um imaginário parisiense, reminiscências nostálgicas de um mundo perdido.
Pois o mesmo ex-Comida trás também a notícia de um festival que vai rolar no Dalva & Dito, com o chef Felipe Schaedler, do restaurante Banzeiro, em Manaus. Vai ter chibé com abacaxi da Amazônia, formiga e pimenta baniwa; pé de moleque e banana com calda de cumaru.
Esse rapaz tem se notabilizado por correr atrás de cogumelos, em parceria com Alex Atala, tomando por base levantamentos científicos feitos por órgãos de pesquisa locais. Agora, vem a São Paulo declinar a culinária “da Amazônia”. Seu restaurante, a Vejinha de lá acha que é “o melhor da culinária amazônica”. Por isso mesmo fui bisbilhotar o cardápio do Banzeiro.
O que encontrei? Tem até camarão com catupiry, sardinha frita, molhos belle meunière, provençal, madeira; creme de papaya com cassis. A culinária mais velha possível, da qual São Paulo se livrou há muito. Manaus, no seu “melhor”, é um museu da comida "fina" presente já na primeira metade do século XX. Felipe Schaedler vem aqui pegar carona na Amazônia moderna do chibé, da formiga, do cumaru, conforme invenção de Alex Atala - e do mesmo jeito que outros teimam em inventar a Tailândia.
São Paulo é um lugar maravilhoso! No seu solo árido, onde arrasaram a comida caipira, tudo dá. Até essa hidroponia gustativa de raízes desenraizadas.
E se nos perguntássemos o contrário: “por que a moda thai deveria pegar em São Paulo, onde até cozinhas africanas e bolivarianas vem conquistando seu espaço?” Francamente, não vejo o porquê. Nós não temos uma comunidade de tailandeses em São Paulo, quando se sabe que são as comunidades de imigrantes que formam aquela demanda básica para que cozinheiros procedentes dessas origens sintam o entusiasmo mínimo para ir em frente. Há mais de 10 anos Nina Horta abordou isso e eu também dei meus pitacos, dizendo que a Tailândia é um país imaginário, como a Bulgária do escritor Campos de Carvalho. Ambas existem, claro, mas à sua maneira.
O modo brasileiro de a Tailândia existir é na imaginação de alguns cozinheiros que provavelmente se encantaram com a sua cozinha lá pelas bandas de Paris, ou mesmo dando uma razia por aquela distante Indochina. Aliás, a Indochina não existe. É uma invenção do colonialismo francês. E, como ficção, é melhor ler O amante, de Marguerite Duras, que se passa naquelas bandas, do que montar uma excursão para descobrir "raízes" de um imaginário parisiense, reminiscências nostálgicas de um mundo perdido.
Pois o mesmo ex-Comida trás também a notícia de um festival que vai rolar no Dalva & Dito, com o chef Felipe Schaedler, do restaurante Banzeiro, em Manaus. Vai ter chibé com abacaxi da Amazônia, formiga e pimenta baniwa; pé de moleque e banana com calda de cumaru.
Esse rapaz tem se notabilizado por correr atrás de cogumelos, em parceria com Alex Atala, tomando por base levantamentos científicos feitos por órgãos de pesquisa locais. Agora, vem a São Paulo declinar a culinária “da Amazônia”. Seu restaurante, a Vejinha de lá acha que é “o melhor da culinária amazônica”. Por isso mesmo fui bisbilhotar o cardápio do Banzeiro.
O que encontrei? Tem até camarão com catupiry, sardinha frita, molhos belle meunière, provençal, madeira; creme de papaya com cassis. A culinária mais velha possível, da qual São Paulo se livrou há muito. Manaus, no seu “melhor”, é um museu da comida "fina" presente já na primeira metade do século XX. Felipe Schaedler vem aqui pegar carona na Amazônia moderna do chibé, da formiga, do cumaru, conforme invenção de Alex Atala - e do mesmo jeito que outros teimam em inventar a Tailândia.
São Paulo é um lugar maravilhoso! No seu solo árido, onde arrasaram a comida caipira, tudo dá. Até essa hidroponia gustativa de raízes desenraizadas.
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Leitor de 5ª
29/04/2015
A Folha e o tiro no pé
Ha muito tempo, o compositor Marcos Valle lançou uma música de certo sucesso cujo primeiro verso, prá lá de idiota, começava assim: “Não confie em ninguém com mais de trinta anos”.
Pois bem, ao abrirmos o caderno Comida da Folha de hoje, damos pela falta de Josimar Melo e Nina Horta, prá começar. Devem ter sido vítimas da síndrome de Marcos Vale, porque, abstraído tudo o mais, o que eles tinham era mesmo essa qualidade: repertório.
A Folha entrou nessa aventura de um caderno de “comida” talvez por conta de uma avaliação de que era um tema “novo” e o jornal prima por ser novidadeiro. Vê-se, hoje, que não deu certo (não venderam anúncios como sonharam). E, agora, temos o prejuízo líquido: antes, Josimar e Nina escreviam na Ilustrada. Estavam bem lá. Mas tentaram usar o prestígio de ambos para alavancar o Comida. Deu no que deu: o leitor saiu perdendo.
A Folha é um jornal com rabo preso, muito preso. E os neurônios presos no rabo. Ninguém disse aos editores que, hoje, os leitores leem opinião, não jornalão...
Pois bem, ao abrirmos o caderno Comida da Folha de hoje, damos pela falta de Josimar Melo e Nina Horta, prá começar. Devem ter sido vítimas da síndrome de Marcos Vale, porque, abstraído tudo o mais, o que eles tinham era mesmo essa qualidade: repertório.
A Folha entrou nessa aventura de um caderno de “comida” talvez por conta de uma avaliação de que era um tema “novo” e o jornal prima por ser novidadeiro. Vê-se, hoje, que não deu certo (não venderam anúncios como sonharam). E, agora, temos o prejuízo líquido: antes, Josimar e Nina escreviam na Ilustrada. Estavam bem lá. Mas tentaram usar o prestígio de ambos para alavancar o Comida. Deu no que deu: o leitor saiu perdendo.
A Folha é um jornal com rabo preso, muito preso. E os neurônios presos no rabo. Ninguém disse aos editores que, hoje, os leitores leem opinião, não jornalão...
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Leitor de 5ª
13/03/2015
Dr. Drauzio Varella assume edição do Comida da Folha
Deve ter havido um golpe de estado. Não desses que se fala por ai com naturalidade assustadora. Um golpe de estado na redação da Folha. Drauzio Varella deve ter assumido a direção do Comida sem que tenhamos sido avisados.
Sim, senão como entender que um suplemento de gastronomia tenha se convertido num suplemento de nutrição, que traz como capa o assunto por excelência dessa gente que quer mais o nosso bem do que o nosso prazer (fonte insana de perdição) ?
CALORIAS! Esse o assunto. O Comida indica como você, leitor, pode seguir os ensinamentos do Ministério da Saúde, limitando-se a 2.000 calorias por dia. Chama de “armadilha” sair por ai à busca simplesmente de “ingredientes de melhor qualidade e bem preparados” (sic)
Mas você pode ler também o que Quique da Costa andou comendo por São Paulo, ciceroneado por Alexandra Forbes. Ela o trouxe a São Paulo para um jantar a mais de 2 mil reais por cabeça, com renda em parte em prol da Gastromotiva. Não acho bacana que ela faça o elogio do próprio empreendimento. O jornal, que diz ter o rabo preso com o leitor, devia ser mais solto e plural em opiniões críticas. Eu acho. E você?
E Josimar dá notícias de que abriu o Bossa, descoladinho da república dos jardins. Acho o nome perigoso porque rico em cacofonia...
Em compensação Nina Horta está impagável. Destruindo o mito de que se come boa cozinha portuguesa no Rio de Janeiro. Quer dizer, não é bem um mito: uma rememoração do que já não há. Fiquemos por aqui com Vitor Sobral.
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Leitor de 5ª
05/02/2015
Mel urbano: será que é uma boa?
Sim, bacana a ideia de se cultivar abelhas em qualquer parte, inclusive nas cidades. Há muitas experiências assim e Paladar parece querer difundi-las por aqui. Mas a matéria esquece de dizer que existem muitos estudos - eu conheço apenas os franceses, mas sei que existem americanos também - sobre a contaminação do mel e do pólen assim obtidos. Paris não é uma festa para as abelhas, apesar de florida.
Abelhas não são animais que possuam kits de análise de contaminação do ar ou das flores. Partículas em suspensão no ar, agrotóxicos - tudo isso contamina os produtos das abelhas. Seria bom se o jornal, responsavelmente, advertisse o leitor.... Menos deslumbramento, mais pesquisa sobre os assuntos. Aquilo que os próprios jornalistas adoram chamar de "o outro lado".
Não, o rural também não está livre disso. Anos atrás a Europa devolveu carregamentos de mel da Argentina e da China. Contaminados...
Mel virou uma encrenca moderna. E as abelhas misteriosamente somem, como a dizerem: "não temos nada com isso!"
Abelhas não são animais que possuam kits de análise de contaminação do ar ou das flores. Partículas em suspensão no ar, agrotóxicos - tudo isso contamina os produtos das abelhas. Seria bom se o jornal, responsavelmente, advertisse o leitor.... Menos deslumbramento, mais pesquisa sobre os assuntos. Aquilo que os próprios jornalistas adoram chamar de "o outro lado".
Não, o rural também não está livre disso. Anos atrás a Europa devolveu carregamentos de mel da Argentina e da China. Contaminados...
Mel virou uma encrenca moderna. E as abelhas misteriosamente somem, como a dizerem: "não temos nada com isso!"
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Leitor de 5ª
16/01/2015
Tirando férias do leitor
Comida de hoje parece estar de férias. A capa ensina como fazer arroz!!!!! (e recomenda fazer com óleo de Canadian Low Acid, dito óleo de "canola"; mas garanto que qualquer óleo serve, inclusive gordura de lambari!). Quatro páginas esquálidas; dentro, uma seção de "fichas de Elle" que ensinam a fazer panqueca, cupcake, omelete, chantilly, feijão, tapioca, brigadeiro, macarrão ao "sugo".
Um suplemento de culinária não precisa rebaixar o leitor a essa indigência só porque está de férias. Suspende a publicação e pronto! Não, não... seria perder Nina Horta que nunca tira férias. E, nesse número, também a gourmet-viajante Alexandra Forbes que nos anuncia que os chefões do mundo todo estão se livrando de adereços não-culinários em seus restaurantes. Desgourmetização in process...
Um suplemento de culinária não precisa rebaixar o leitor a essa indigência só porque está de férias. Suspende a publicação e pronto! Não, não... seria perder Nina Horta que nunca tira férias. E, nesse número, também a gourmet-viajante Alexandra Forbes que nos anuncia que os chefões do mundo todo estão se livrando de adereços não-culinários em seus restaurantes. Desgourmetização in process...
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Leitor de 5ª
12/12/2014
Em meio a tantas espumas, o classicismo pede passagem
Demorou, mas a reação chegou. Em ensaio conciso, bem escrito, Rogerio Fasano expõe hoje, no Comida, porque gastronomia é cultura, sim, mas secular. O texto O que é ser o melhor restaurante do mundo? está destinado a ser um marco numa discussão bastante rasa que grassa por aqui, enfatizando sempre a hipermodernidade, as descobertas, o inusitado e o “distante” (Amazônia). É uma reação à hegemonia que vai se firmando dos chefs, chefinhos e chefetes que se embalam na onda iniciada por Adrià. Gero, é claro, faz a defesa do classicismo, terreno no qual é o campeão brasileiro (mas também já fez suas "modernizações", como substituir a manteiga pelo azeite na preparação dos risotos...), contra a segregação e o esquecimento do valor da diversidade, da pluralidade de caminhos.
Muitos dirão que a “razão real” (sic) do que ele alega não está explícita no artigo. Mas por acaso é um bom método crítico dizer que o que as letras afirmam pode ser negado pelo não dito? E o que ele afirma de fundamental é que o restaurante sem chef estrelado, o restaurante de restauranteur, estará extinto em alguns anos. Pessoalmente se sente um dinossauro, até porque se vê como “clássico” e usa gravata. Com graça, afirma que “o dia em que eu começar a discutir com meus chefs sobre antropologia, física, química ou sexo tântrico, trocarei meus remédios”.
Para Gero, o “Oscar da Gastronomia” (aquela lista do 50 best...onde o Fasano já figurou) é absurda, inclusive porque entra ano e sai ano e temos o mesmo filme... Acha impossível o melhor restaurante do mundo estar na Dinamarca, assim como não entende como o fato de ter mandado para o hospital 70 pessoas há dois anos, ou o segundo colocado (Fat Duck) ter sido fechado pela vigilância sanitária, seja irrelevante para mantê-los na lista dos “melhores”.
Da perspectiva clássica em que se coloca, “os sabores da Amazônica não satisfazem a todos o tempo todo. A diversidade gastronômica representa uma riqueza, mas há certos pilares incontornáveis. Muito do que se escreve sobre gastronomia atualmente é sobre essa busca desenfreada pelo inusitado”. Busca na qual, ele tem razão, se resvala para o terreno onde o determinante não é necessariamente o sabor mas outras percepções incitadas pela comida.
Seu argumento, de que há “modismos que vão e vem”, é incontestável. E quando o chef prefere a fama, “é hora de mudar”, diz. Ou seja, Gero Fasano coloca ao menos duas questões que precisam ser levadas em conta: 1) o “triunfo dos modernos”, impulsionado por mecanismos extra-culinários de promoção, não estaria destruindo valores culinários como a diversidade e o ecletismo, que é um valor em si da gastronomia?; 2) a tradição estará, de fato, irremediavelmente comprometida quando não liderada por “stars”, isto é, pelo personalismo?
São questões de difícil resposta, e será bom lermos as várias especulações que se farão. E fica a sua declaração de fé: “para quem ainda consegue achar que o paladar será sempre, entre os cinco sentidos, o fator decisivo de um prato, e acredita que a cozinha clássica não deve ser menosprezada mesmo que modernizada, sugiro o último album de Leonard Cohen, que, aos 80 anos, me enche de esperança de que as pessoas entendam o quando um clássico pode ser absolutamente atual”. Ou seja:
Nothing left to do
when you know that you've been taken
Nothing left to do
when you're begging for a crumb
Nothing left to do
when you've got to go on waiting
waiting for the miracle to come
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Leitor de 5ª
05/11/2014
O verão e a hora da verdade dos sorvetes
Demorou, mas Comida resolveu enfrentar a questão: afinal, o que é “sorvete artesanal”? Já havia abordado o tema, sem sucesso, preferindo o elogio ao Bacio di Latte, cadeia industrial que se apresenta como “artesanal”.
O jornal assume que o “artesanal” tem “cores suaves, textura aveludada e cremosa (pouco airada) e sabor persistente”. Não consigo imaginar um sorvete artesanal de açaí com “cores suaves”...
Gourmet é um adjetivo que se pespega em tudo. “Artesanal” também. Uma subversão linguística sobre um fundo histórico de contornos nem sempre conhecidos.
Sorvete artesanal era aquele feito em sorveterias nas cidades do interior, antes da chegada massiva do Kibon. O sujeito tinha apenas duas mãos, o sentimento do mundo e uma máquina Carpegiani de eixo vertical. O que saia dali, dependia da sua sensibilidade e destreza. Não raro, “batia” o sorvete duas vezes ao dia para estar sempre no seu melhor ponto, antes de “desmontar” por falta de estabilizantes. Se quisermos embelezar, digamos que as crianças ficavam rondando a sorveteria esperando a hora em que o dito cujo ficava pronto, fresquinho. Isso, hoje, é apenas um retrato na parede...
Na matéria de Comida, vemos que os visitados, em sua quase totalidade, usam uma “base neutra própria para....”. Escapa dessa regra o Frida & Mina, como escapa, lá em Brasília, a Sorbê, da glacier Rita de Medeiros.
Embora a matéria do Comida se chame “Sorvete no raio-x”, não consegue desvendar o que tem nessa “base neutra”, nessa caixa preta revestida por chumbo que o raio-x não penetra... Uma pena, essa falha de investigação. Creio que se trate no mínimo de estabilizantes e emulsificantes, como agar-agar e outros. Melhor seria perguntar para um engenheiro de alimentos...
A mistificação moderna aparece plena na fala da Bacio di Latte, que usa amplamente “uma mistura industrializada de açúcares, emulsificantes e estabilizantes - ingredientes de origem vegetal mas processados industrialmente”. Chama seu sorvete de “artesanal” porque o finaliza na loja.
Quando se faz um sorvete artesanal, o uso das diferentes bases - água, leite, creme de leite - é decidido de acordo com as características da fruta ou do saporificante, que pode ser uma castanha, por exemplo. Entram no cálculo a densidade da polpa, a gordura, a acidez, o aroma. No sorvete industrial, ao contrário: a base é a mesma, e sobre ela se acrescenta um saporificante ou aromatizante.
A expansão da indústria com cara de “artesanato” se deve a uma evolução técnico-industrial e, também, à adoção de um novo modelo de negócio onde as “sorveterias” são lugares de finalização do processo industrial. A expansão da Bacio di Latte, da rede argentina Freddo, Diletto, Stuzzi e tantas outras se deve a esse up grade técnico.
É claro que há “bases brancas” de várias qualidades, e elas utilizam as melhores bases importadas da Itália e Argentina. Mas estão longe de serem “artesanais” no antigo sentido da palavra - quando designava um sorvete todo feito no estabelecimento, segundo técnicas tradicionais, fosse ele “sorbet” ou “glace”, conforme as categorias consagradas pela pâtisserie.
O verão é sempre a hora da verdade dos sorvetes. E não tenho dúvidas, vence o industrial. O artesanal, como do Frida & Mina, não é tão apreciado justamente por aquela falta de textura dita “perfeita” que as gororobas industriais emprestam ao produto.
Sim, e o jornal anuncia que vêm ai as “paletas mexicanas”, picolés grandes de recheios variados, como o indefectível leite condensado. Experimentei alguns da marca Muchachos. Gostei. Mas este será outro capítulo na história dos sorvetes dispostos para os paulistanos.
O jornal assume que o “artesanal” tem “cores suaves, textura aveludada e cremosa (pouco airada) e sabor persistente”. Não consigo imaginar um sorvete artesanal de açaí com “cores suaves”...
Gourmet é um adjetivo que se pespega em tudo. “Artesanal” também. Uma subversão linguística sobre um fundo histórico de contornos nem sempre conhecidos.
Sorvete artesanal era aquele feito em sorveterias nas cidades do interior, antes da chegada massiva do Kibon. O sujeito tinha apenas duas mãos, o sentimento do mundo e uma máquina Carpegiani de eixo vertical. O que saia dali, dependia da sua sensibilidade e destreza. Não raro, “batia” o sorvete duas vezes ao dia para estar sempre no seu melhor ponto, antes de “desmontar” por falta de estabilizantes. Se quisermos embelezar, digamos que as crianças ficavam rondando a sorveteria esperando a hora em que o dito cujo ficava pronto, fresquinho. Isso, hoje, é apenas um retrato na parede...
Na matéria de Comida, vemos que os visitados, em sua quase totalidade, usam uma “base neutra própria para....”. Escapa dessa regra o Frida & Mina, como escapa, lá em Brasília, a Sorbê, da glacier Rita de Medeiros.
Embora a matéria do Comida se chame “Sorvete no raio-x”, não consegue desvendar o que tem nessa “base neutra”, nessa caixa preta revestida por chumbo que o raio-x não penetra... Uma pena, essa falha de investigação. Creio que se trate no mínimo de estabilizantes e emulsificantes, como agar-agar e outros. Melhor seria perguntar para um engenheiro de alimentos...
A mistificação moderna aparece plena na fala da Bacio di Latte, que usa amplamente “uma mistura industrializada de açúcares, emulsificantes e estabilizantes - ingredientes de origem vegetal mas processados industrialmente”. Chama seu sorvete de “artesanal” porque o finaliza na loja.
Quando se faz um sorvete artesanal, o uso das diferentes bases - água, leite, creme de leite - é decidido de acordo com as características da fruta ou do saporificante, que pode ser uma castanha, por exemplo. Entram no cálculo a densidade da polpa, a gordura, a acidez, o aroma. No sorvete industrial, ao contrário: a base é a mesma, e sobre ela se acrescenta um saporificante ou aromatizante.
A expansão da indústria com cara de “artesanato” se deve a uma evolução técnico-industrial e, também, à adoção de um novo modelo de negócio onde as “sorveterias” são lugares de finalização do processo industrial. A expansão da Bacio di Latte, da rede argentina Freddo, Diletto, Stuzzi e tantas outras se deve a esse up grade técnico.
É claro que há “bases brancas” de várias qualidades, e elas utilizam as melhores bases importadas da Itália e Argentina. Mas estão longe de serem “artesanais” no antigo sentido da palavra - quando designava um sorvete todo feito no estabelecimento, segundo técnicas tradicionais, fosse ele “sorbet” ou “glace”, conforme as categorias consagradas pela pâtisserie.
O verão é sempre a hora da verdade dos sorvetes. E não tenho dúvidas, vence o industrial. O artesanal, como do Frida & Mina, não é tão apreciado justamente por aquela falta de textura dita “perfeita” que as gororobas industriais emprestam ao produto.
Sim, e o jornal anuncia que vêm ai as “paletas mexicanas”, picolés grandes de recheios variados, como o indefectível leite condensado. Experimentei alguns da marca Muchachos. Gostei. Mas este será outro capítulo na história dos sorvetes dispostos para os paulistanos.
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Leitor de 5ª
01/10/2014
Cozinha baiana como ficção literária
Atrás de uma capinha boba, Comida traz notícias interessantes. Uma delas, a reedição do livro “A comida baiana de Jorge Amado”, de sua filha, Paloma; agora editado pela Comidinha, perdão, Panelinha...
O livro não acrescenta nada ao conhecimento da cozinha baiana para quem seja seu apreciador. Há livros bem melhores, e esse é uma compilação de receitas que aparecem nos romances de Jorge Amado. Em boa medida, como qualquer um pode perceber por comparação, já em Jorge Amado foram copiadas d´A arte culinária na Bahia, de Manoel Querino. Não há qualquer mal nisso, visto que receitas pertencem a um povo, não a um autor.
O marcante nesta edição é que as receitas foram domesticadas, atenuadas, paulistanizadas. Tucanaram o dendê (ou alckiminizaram o gosto). “Na minha casa, de 30, 40 anos para cá também usamos menos dendê. E esse livro é para que a comida baiana com gosto africano seja possível não só no Brasil, mas também fora dele”, diz Paloma. Para tanto, Paloma e Rita Lobo deram uns tapas nas receitas.
Mas eu acho que é um livro único: um estudioso poderá comparar as receitas de Manoel Querino com as de Jorge Amado e, agora, com a versão panelinha. São três momentos da evolução do gosto, talvez de “desafricanização” ou branqueamento da tradição. Um detalhe: acho as receitas compiladas por Manoel Querino bastante equilibradas (as vezes é melhor andar para trás, do que para a frente). Talvez tenha sido Jorge Amado a perder a mão, aquele ficcionista dos exageros sensuais da Bahia!
O livro não acrescenta nada ao conhecimento da cozinha baiana para quem seja seu apreciador. Há livros bem melhores, e esse é uma compilação de receitas que aparecem nos romances de Jorge Amado. Em boa medida, como qualquer um pode perceber por comparação, já em Jorge Amado foram copiadas d´A arte culinária na Bahia, de Manoel Querino. Não há qualquer mal nisso, visto que receitas pertencem a um povo, não a um autor.
O marcante nesta edição é que as receitas foram domesticadas, atenuadas, paulistanizadas. Tucanaram o dendê (ou alckiminizaram o gosto). “Na minha casa, de 30, 40 anos para cá também usamos menos dendê. E esse livro é para que a comida baiana com gosto africano seja possível não só no Brasil, mas também fora dele”, diz Paloma. Para tanto, Paloma e Rita Lobo deram uns tapas nas receitas.
Mas eu acho que é um livro único: um estudioso poderá comparar as receitas de Manoel Querino com as de Jorge Amado e, agora, com a versão panelinha. São três momentos da evolução do gosto, talvez de “desafricanização” ou branqueamento da tradição. Um detalhe: acho as receitas compiladas por Manoel Querino bastante equilibradas (as vezes é melhor andar para trás, do que para a frente). Talvez tenha sido Jorge Amado a perder a mão, aquele ficcionista dos exageros sensuais da Bahia!
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Leitor de 5ª
07/08/2014
O sofisma como jornalismo gastronômico
Paladar traz hoje matéria sobre a presença do milho, arroz e outros cereais não maltados no fabrico da cerveja. Seria um bom tema, não fosse o sofisma em que se baseia. “O milho em si, sozinho, não faz cerveja ruim. Assim como a cevada sozinha não faz cerveja boa. Cada ingrediente traz coisas diferentes, e até o grande vilão, o milho, pode ter seu uso, sim”.
Digamos que nenhum ingrediente faz-se cerveja por si. Trata-se de um sofisma, pois o que se condena é o uso do milho para produzir álcool mais barato na cerveja: “O preconceito contra o milho vem, em parte, dos EUA. Também lá o cereal é bastante disponível e foi muito usado em épocas de crise. Além de baratear os custos de produção (...). A forte influência da escola cervejeira americana aqui no Brasil importou a implicância para cá”. O que a autora, Heloisa Lupinacci, chama de "preconceito" é o abuso dos cereais não-maltados pelos fabricantes.
Abuso porque as normas brasileiras vem sendo desrespeitadas na produção de cerveja. A adulteração significa que o milho representava 48,7% da matéria-prima seca das cervejas feitas no país. Se as pessoas gostam ou não se importam com xixi de gato é outra questão. Para uma crítica à legislação, seria necessário um pouco mais de empenho e dedicação da jornalista...
Para quem tem interesse em aprofundar a discussão sobre a qualidade da cerveja brasileira a partir dos seus componentes, remeto a uma fonte já antiga, que é um estudo divulgado pela FAPESP, e que já comentei aqui.
Digamos que nenhum ingrediente faz-se cerveja por si. Trata-se de um sofisma, pois o que se condena é o uso do milho para produzir álcool mais barato na cerveja: “O preconceito contra o milho vem, em parte, dos EUA. Também lá o cereal é bastante disponível e foi muito usado em épocas de crise. Além de baratear os custos de produção (...). A forte influência da escola cervejeira americana aqui no Brasil importou a implicância para cá”. O que a autora, Heloisa Lupinacci, chama de "preconceito" é o abuso dos cereais não-maltados pelos fabricantes.
Abuso porque as normas brasileiras vem sendo desrespeitadas na produção de cerveja. A adulteração significa que o milho representava 48,7% da matéria-prima seca das cervejas feitas no país. Se as pessoas gostam ou não se importam com xixi de gato é outra questão. Para uma crítica à legislação, seria necessário um pouco mais de empenho e dedicação da jornalista...
Para quem tem interesse em aprofundar a discussão sobre a qualidade da cerveja brasileira a partir dos seus componentes, remeto a uma fonte já antiga, que é um estudo divulgado pela FAPESP, e que já comentei aqui.
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31/07/2014
Acertos do Paladar
Boa matéria no Paladar sobre sirios, armênios e libaneses, desfazendo confusões e clareando convergências verificáveis em São Paulo.
Mas imperdível mesmo é a entrevista com Michael Pollan. O cara dá um show sobre os impasses da alimentação moderna, o papel dos chefs, como e porque a indústria “corre atrás” do prejuizo; porque cozinhar em casa é um bom negócio e assim por diante. Um jornalista que faz do jornalismo um expediente para a conscientização dos leitores. Um jornalismo político, portanto, e não um embasbacamento com o glamour gastronômico.
Mas imperdível mesmo é a entrevista com Michael Pollan. O cara dá um show sobre os impasses da alimentação moderna, o papel dos chefs, como e porque a indústria “corre atrás” do prejuizo; porque cozinhar em casa é um bom negócio e assim por diante. Um jornalista que faz do jornalismo um expediente para a conscientização dos leitores. Um jornalismo político, portanto, e não um embasbacamento com o glamour gastronômico.
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Leitor de 5ª
23/07/2014
Achegas à culinária negra da Bahia
Nina Horta (23/7/2014) levanta a questão histórica da comida negra na Bahia, comercializada nas ruas. Ela me atribui escarafunchar assuntos que, depois, “leva um ano pesquisando só para se divertir”. O que me deixa feliz, pois se Formação da culinária brasileira (Editora Três Estrelas, 2014) pode ter alguma utilidade é ao ajudar a sacudir a árvore das certezas, espalhando dúvida pelo solo da pesquisa histórica.
A sociologia da culinária brasileira, começando por Gilberto Freyre, talvez tenha dado muita ênfase ao negro escravo, na lavoura ou nas cozinhas domésticas, sem dar a devida atenção para a comida de rua. Focar essa atividade, porém, é deixar um pouco de lado aquela ideia tão cara de que a influência negra na cozinha brasileira se fez pela adoção de ingredientes nativos ou africanos segundo técnicas de preparo européias, o que teria se processado especialmente na casa grande - cadinho da mestiçagem. Essa idéia de miscigenação é que, parece, está em causa quando se observa a cozinha de rua, especialmente de Salvador do século XVIII, sendo necessário atentar para outras formas suas.
Já reproduzi aqui trecho de uma carta de Luis dos Santos Vilhena sobre a comida de rua. É um documento de alto valor exatamente por ser “raro”. Ainda que o relato de Vilhena esteja eivado de preconceitos, esta sua carta levanta temas interessantes para o pesquisador. Por exemplo, que os negros vendiam pratos prontos “feitos de farinha de mandioca, arroz, milho”, como lembra Nina Horta na sua crônica.
Vilhena foi bem analisado pelo antropólogo-historiador Jeferson Bacelar, num texto intitulado “A Comida dos Baianos no Sabor Amargo de Vilhena”, que em algum momento deve vir a publico. Bacelar mostra como, em meados do século XVIII a Bahia já sofria uma inflexão importante, pois os cativos nascidos no Brasil já eram maioria, num processo de crioulização marcado pela maior adoção de costumes locais e, consequentemente, um progressivo afastamento dos padrões culturais das várias etnias africanas transplantadas. Afastavam-se especialmente dos padrões tribais praticados pelos iorubanos, os gbe-falantes, os haussás e outros povos da região da chamada Costa da Mina (Gana, Togo, Benin e Nigéria).
Se pensarmos que a comida de rua de Salvador de começo do XIX expressa esse processo, podemos nos perguntar: o que esses “crioulizados” comiam? Além das frutas, o consumo de amidos nos dá uma boa ideia da diversidade de soluções de vida, e Vilhena, analisando o celeiro público, informa que a farinha de mandioca vinha em primeiro lugar, seguida pelo milho (em quantidade 10 vezes menor) e pelo arroz (metade da produção do milho), representando o feijão 70% do arroz estocado.
Dentre as várias “introduções” do arroz no Brasil, certamente uma se deve aos negros islamizados da Bahia. Na Arte culinária na Bahia, de Manoel Querino, essa presença do arroz na cozinha de negros é notória.
Penso que uma grande “contribuição” dos negros à culinária brasileira é justamente esse trânsito por vários amidos. Enquanto os brancos tinham certa aversão ao milho, comida de animais e bugres, preferindo o trigo ou seu substituto (a farinha carimã) os negros o adotavam. E adotavam desde a África os ingredientes indígenas. O pequeno reino de Uidá (então em Daomé, hoje Benin) já apresentava, na metade do século XIX, uma importante agricultura baseada em produtos americanos, como o milho e a mandioca (Karl Polanyi, Dahomey and the slave trade, 1966).
Essas digressões servem apenas para mostrar o amplo terreno de pesquisa histórica, se quisermos compreender melhor como se deu, na prática, a “crioulização” da influência negra na nossa culinária. Talvez eles tenham sido mais “integradores” de coisas que se opunham ao funcionarem como marcadores sociais de grupos antagônicos (proprietários, escravos, índios), do que como “aportadores” de plantas africanas, por exemplo. Em outras palavras, o quiabo não apaga a complexidade desse processo que se deu aqui e na África e que precisamos compreender.
A sociologia da culinária brasileira, começando por Gilberto Freyre, talvez tenha dado muita ênfase ao negro escravo, na lavoura ou nas cozinhas domésticas, sem dar a devida atenção para a comida de rua. Focar essa atividade, porém, é deixar um pouco de lado aquela ideia tão cara de que a influência negra na cozinha brasileira se fez pela adoção de ingredientes nativos ou africanos segundo técnicas de preparo européias, o que teria se processado especialmente na casa grande - cadinho da mestiçagem. Essa idéia de miscigenação é que, parece, está em causa quando se observa a cozinha de rua, especialmente de Salvador do século XVIII, sendo necessário atentar para outras formas suas.
Já reproduzi aqui trecho de uma carta de Luis dos Santos Vilhena sobre a comida de rua. É um documento de alto valor exatamente por ser “raro”. Ainda que o relato de Vilhena esteja eivado de preconceitos, esta sua carta levanta temas interessantes para o pesquisador. Por exemplo, que os negros vendiam pratos prontos “feitos de farinha de mandioca, arroz, milho”, como lembra Nina Horta na sua crônica.
Vilhena foi bem analisado pelo antropólogo-historiador Jeferson Bacelar, num texto intitulado “A Comida dos Baianos no Sabor Amargo de Vilhena”, que em algum momento deve vir a publico. Bacelar mostra como, em meados do século XVIII a Bahia já sofria uma inflexão importante, pois os cativos nascidos no Brasil já eram maioria, num processo de crioulização marcado pela maior adoção de costumes locais e, consequentemente, um progressivo afastamento dos padrões culturais das várias etnias africanas transplantadas. Afastavam-se especialmente dos padrões tribais praticados pelos iorubanos, os gbe-falantes, os haussás e outros povos da região da chamada Costa da Mina (Gana, Togo, Benin e Nigéria).
Se pensarmos que a comida de rua de Salvador de começo do XIX expressa esse processo, podemos nos perguntar: o que esses “crioulizados” comiam? Além das frutas, o consumo de amidos nos dá uma boa ideia da diversidade de soluções de vida, e Vilhena, analisando o celeiro público, informa que a farinha de mandioca vinha em primeiro lugar, seguida pelo milho (em quantidade 10 vezes menor) e pelo arroz (metade da produção do milho), representando o feijão 70% do arroz estocado.
Dentre as várias “introduções” do arroz no Brasil, certamente uma se deve aos negros islamizados da Bahia. Na Arte culinária na Bahia, de Manoel Querino, essa presença do arroz na cozinha de negros é notória.
Penso que uma grande “contribuição” dos negros à culinária brasileira é justamente esse trânsito por vários amidos. Enquanto os brancos tinham certa aversão ao milho, comida de animais e bugres, preferindo o trigo ou seu substituto (a farinha carimã) os negros o adotavam. E adotavam desde a África os ingredientes indígenas. O pequeno reino de Uidá (então em Daomé, hoje Benin) já apresentava, na metade do século XIX, uma importante agricultura baseada em produtos americanos, como o milho e a mandioca (Karl Polanyi, Dahomey and the slave trade, 1966).
Essas digressões servem apenas para mostrar o amplo terreno de pesquisa histórica, se quisermos compreender melhor como se deu, na prática, a “crioulização” da influência negra na nossa culinária. Talvez eles tenham sido mais “integradores” de coisas que se opunham ao funcionarem como marcadores sociais de grupos antagônicos (proprietários, escravos, índios), do que como “aportadores” de plantas africanas, por exemplo. Em outras palavras, o quiabo não apaga a complexidade desse processo que se deu aqui e na África e que precisamos compreender.
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Leitor de 5ª
17/07/2014
Siga os passos de Fábio Moon
Fábio Moon, além de pessoa é um personagem que criou a si próprio com a ajuda de muita gente. Quem não o segue no instagram (@fabmoon) pode ter a certeza de que está por fora do que realmente conta no mundinho das pessoas que correm atrás do que, eventualmente bom, é sobretudo novidade. Ele sempre está, esteve ou estará onde o seu seguidor no instagram gostou, gosta ou gostará de estar. Fabio Moon é vanguarda, no sentido de fotografar na frente, antes dos outros.
Fabio Moon tem suas ondas e manias publicitárias, como sair por ai comendo e comparando hamburguer, tartar ou brigadeiro em cena aberta no instagram. Ganhou certa notoriedade também em revistas de bordo. Pois agora resolveu tirar partido disso e gente que o “segue”, ou viaja, poderá trilha seus passos.
Paladar de hoje informa que Fabio Moon abre o Table 4, serviço de reservas on line, já tendo como afiliados Aizomê, Sainte Marie, Tappo, Ici, Loi, Pomodori, Arturito, Piselli, Tordesilhas, Jiquitaia, Sal Gastronomia, La Casserole e Maní. Todos “gastronômicos”, isto é, fotografados por Fabio Moon. Ele tem a vantagem de não ser neutro ou imparcial.
No Table 4, você poderá reservar sua mesa on line nos restaurantes “diferenciados”. Serão uns 50. A matéria atribui a Fábio a esperteza de entrar num mercado promissor, de milhões de dólares.
Longa vida a Table 4 mas, pessoalmente, eu gostaria mesmo é que se conseguisse fazer reservas depois das 9 horas da noite, e não só no período no qual os restaurantes ainda estão vazios. Isso sim seria um senhor serviço!
Fabio Moon tem suas ondas e manias publicitárias, como sair por ai comendo e comparando hamburguer, tartar ou brigadeiro em cena aberta no instagram. Ganhou certa notoriedade também em revistas de bordo. Pois agora resolveu tirar partido disso e gente que o “segue”, ou viaja, poderá trilha seus passos.
Paladar de hoje informa que Fabio Moon abre o Table 4, serviço de reservas on line, já tendo como afiliados Aizomê, Sainte Marie, Tappo, Ici, Loi, Pomodori, Arturito, Piselli, Tordesilhas, Jiquitaia, Sal Gastronomia, La Casserole e Maní. Todos “gastronômicos”, isto é, fotografados por Fabio Moon. Ele tem a vantagem de não ser neutro ou imparcial.
No Table 4, você poderá reservar sua mesa on line nos restaurantes “diferenciados”. Serão uns 50. A matéria atribui a Fábio a esperteza de entrar num mercado promissor, de milhões de dólares.
Longa vida a Table 4 mas, pessoalmente, eu gostaria mesmo é que se conseguisse fazer reservas depois das 9 horas da noite, e não só no período no qual os restaurantes ainda estão vazios. Isso sim seria um senhor serviço!
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Leitor de 5ª
10/07/2014
O "baixo Pinheiros" e a força da grana
Interessante reportagem de Jose Orenstein na capa do Paladar de hoje, sobre o auto denominado “baixo Pinheiros”. Interessante porque deixa clara a relação entre especulação imobiliária e “gastronomia”.
Há na região uma valorização dos espaços, especialmente pela construção de prédios residenciais de “alto luxo”. Mais gente com grana gera mais renda da terra.
Se os ricos competem com os antigos moradores remediados para ali morar, competirão também os restaurantes de sua predileção com os velhos bares e botecos. Uma “área marginal aos centros gastronômicos da cidade, como Jardins, Itaim ou Vila Madalena” passa a permitir ganhos ascendentes para os donos de restaurantes. A dinâmica espacial das classes sociais é assim: mudam de mala e cuia. As cuias estão chegando, inclusive abrindo filiais cujas matrizes estão nos “jardins” & assemelhados.
Hoje os restaurantes da região servem aos trabalhadores de escritório das grandes organizações, como a editora Abril, a Cetesb, a Sabesp, o CET, etc. Mas no final de semana a região é invadida por gente de fora do bairro. A vila Madalena e Pinheiros são, hoje, o que o Bixiga se tornou há 20 anos como destino “turístico” de quem mora na ZN, na ZS, etc. O excursionismo de lazer se sobrepõe à pacata vida do bairro; fenômeno reforçado nesta Copa, que deve deixar marcas indeléveis no tecido social da região.
Muita coisa vai ficando aquém do desejável e possível. O Mercado de Pinheiros é um deles. Anda numa avacalhação de dar dó; vai sendo invadido por barzinhos, em vez de revalorizado e modernizado em sua função primordial de abastecimento.
Todo mundo gosta de comidinhas bacanas, e saúda entusiasmado a sua chegada. Mas, e os moradores do bairro? Estão gostando da mudança da dinâmica urbana? Faltou à reportagem ouvir o lado dos que não estão gostando nada disso...
O Plano Diretor da cidade teve aprovação recente na Câmara Municipal, levantando-se várias questões contraditórias sobre o impacto do adensamento populacional, proposto para o entorno das grandes avenidas. Certamente isso trará repercussões de médio e longo prazo para a Vila Madalena, Pinheiros e “Baixo Pinheiros”.
Enquanto a força da grana destrói coisas belas, vai mais uma cerveja ai doutor?
Há na região uma valorização dos espaços, especialmente pela construção de prédios residenciais de “alto luxo”. Mais gente com grana gera mais renda da terra.
Se os ricos competem com os antigos moradores remediados para ali morar, competirão também os restaurantes de sua predileção com os velhos bares e botecos. Uma “área marginal aos centros gastronômicos da cidade, como Jardins, Itaim ou Vila Madalena” passa a permitir ganhos ascendentes para os donos de restaurantes. A dinâmica espacial das classes sociais é assim: mudam de mala e cuia. As cuias estão chegando, inclusive abrindo filiais cujas matrizes estão nos “jardins” & assemelhados.
Hoje os restaurantes da região servem aos trabalhadores de escritório das grandes organizações, como a editora Abril, a Cetesb, a Sabesp, o CET, etc. Mas no final de semana a região é invadida por gente de fora do bairro. A vila Madalena e Pinheiros são, hoje, o que o Bixiga se tornou há 20 anos como destino “turístico” de quem mora na ZN, na ZS, etc. O excursionismo de lazer se sobrepõe à pacata vida do bairro; fenômeno reforçado nesta Copa, que deve deixar marcas indeléveis no tecido social da região.
Muita coisa vai ficando aquém do desejável e possível. O Mercado de Pinheiros é um deles. Anda numa avacalhação de dar dó; vai sendo invadido por barzinhos, em vez de revalorizado e modernizado em sua função primordial de abastecimento.
Todo mundo gosta de comidinhas bacanas, e saúda entusiasmado a sua chegada. Mas, e os moradores do bairro? Estão gostando da mudança da dinâmica urbana? Faltou à reportagem ouvir o lado dos que não estão gostando nada disso...
O Plano Diretor da cidade teve aprovação recente na Câmara Municipal, levantando-se várias questões contraditórias sobre o impacto do adensamento populacional, proposto para o entorno das grandes avenidas. Certamente isso trará repercussões de médio e longo prazo para a Vila Madalena, Pinheiros e “Baixo Pinheiros”.
Enquanto a força da grana destrói coisas belas, vai mais uma cerveja ai doutor?
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Leitor de 5ª
05/06/2014
Porandubas cariocas
Paladar traz uma capa feliz para os paulistanos: os novos chefs cariocas. Feliz porque é sempre bom lembrar que São Paulo não é o túmulo do samba e nem o Rio o da gastronomia. Se temos aqui o samba de Geraldo Filme, temos no Rio a culinária inventiva de Roberta Sudbrack que fez escola: Thomas Troisgros, Rafael Costa e Silva, Bronze e Artagão não existiriam sem o pioneirismo de Roberta.
Acertadamente, a matéria frisa a amizade entre esses jovens - traço talvez distinto do que ocorre em São Paulo. Ao menos não se vê aqui uma relação tão estreita como a deles lá. Isso deverá contar no médio e longo prazos.
Mas há também novidades que Paladar anuncia para São Paulo. Em primeiro lugar, o tão esperado Tuju (não me perguntem o que significa esse nome, que já esqueci), de Ivan Ralston, que abrirá depois da Copa (esse pesadelo gastronômico), em matéria com avant première de fotos de pratos, que o jornal conseguiu. Em segundo lugar, a abertura da primeira loja da Cacao Sampaka, espanhola (esses caras são bons).
Acertadamente, a matéria frisa a amizade entre esses jovens - traço talvez distinto do que ocorre em São Paulo. Ao menos não se vê aqui uma relação tão estreita como a deles lá. Isso deverá contar no médio e longo prazos.
Mas há também novidades que Paladar anuncia para São Paulo. Em primeiro lugar, o tão esperado Tuju (não me perguntem o que significa esse nome, que já esqueci), de Ivan Ralston, que abrirá depois da Copa (esse pesadelo gastronômico), em matéria com avant première de fotos de pratos, que o jornal conseguiu. Em segundo lugar, a abertura da primeira loja da Cacao Sampaka, espanhola (esses caras são bons).
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Leitor de 5ª
04/06/2014
O futuro do pretérito
Sejamos claros: o futuro não existe porque, a médio prazo, todos estaremos mortos. Mas, um dia houve futuro. Duas colunas no Comida de hoje sobre futuro.
Alexandra Forbes acha que “camarão que dorme a onda leva”, querendo dizer que essa onda de pop-ups, adotada no mundo todo por chefões como Blumenthal, Achatz, Redzepi, na verdade uma “segunda onda” depois que o conceito virou carne de vaca, é forma quase obrigatória de “divulgar o restaurante e romper o status quo”.
Nina, na sua coluna, diz que tem cheiro de coisa nova no ar. Não sabe o que, mas que tem, tem!
Magnífica a sua digressão sobre o auge da nouvelle cuisine e como isso se tornou perceptível: a comida achatada no prato; depois a comida de Charlie Trotter, “a comida se levantava às alturas, as alfaces se equilibravam lá no alto, o palmito em fios mais alto ainda Havia chegado a moda da comida em morrinho, que custou muito a baixar e ainda não se deitou de todo”. E aquele ano inteiro que comemos tomate seco e rúcula? A nova futura onda, diz, tem a ver com os orgânicos, a paisagem dentro da cuia. “São modas, são caminhos para o futuro, civilizatórios, ou vão desaparecer sem deixar traço”?
E tem também os picles, os food trucks, os hamburgueres gourmets, os drinks sólidos, a “cozinha social”, a Ásia, o México, o mezcal, as cozinhas locais, o coelho e a cabra em substituição à carne de boi, a pele de frango e a pele de peixe, o bacon candy, o ceviche, a charcuteria doméstica, os chips feitos de vegetais que não a batata, e assim por diante. Essa disciplina adivinhatória chama-se food trends.
Me ne frego, expressão de meu avo que, na sua velhice, dizia: “a moda? de vez em quando ela passa por nós, e estamos na moda. Outras vezes somos antiquados. O segredo é não mudar e observar seu movimento, como se não fosse conosco”.
Alexandra Forbes acha que “camarão que dorme a onda leva”, querendo dizer que essa onda de pop-ups, adotada no mundo todo por chefões como Blumenthal, Achatz, Redzepi, na verdade uma “segunda onda” depois que o conceito virou carne de vaca, é forma quase obrigatória de “divulgar o restaurante e romper o status quo”.
Nina, na sua coluna, diz que tem cheiro de coisa nova no ar. Não sabe o que, mas que tem, tem!
Magnífica a sua digressão sobre o auge da nouvelle cuisine e como isso se tornou perceptível: a comida achatada no prato; depois a comida de Charlie Trotter, “a comida se levantava às alturas, as alfaces se equilibravam lá no alto, o palmito em fios mais alto ainda Havia chegado a moda da comida em morrinho, que custou muito a baixar e ainda não se deitou de todo”. E aquele ano inteiro que comemos tomate seco e rúcula? A nova futura onda, diz, tem a ver com os orgânicos, a paisagem dentro da cuia. “São modas, são caminhos para o futuro, civilizatórios, ou vão desaparecer sem deixar traço”?
E tem também os picles, os food trucks, os hamburgueres gourmets, os drinks sólidos, a “cozinha social”, a Ásia, o México, o mezcal, as cozinhas locais, o coelho e a cabra em substituição à carne de boi, a pele de frango e a pele de peixe, o bacon candy, o ceviche, a charcuteria doméstica, os chips feitos de vegetais que não a batata, e assim por diante. Essa disciplina adivinhatória chama-se food trends.
Me ne frego, expressão de meu avo que, na sua velhice, dizia: “a moda? de vez em quando ela passa por nós, e estamos na moda. Outras vezes somos antiquados. O segredo é não mudar e observar seu movimento, como se não fosse conosco”.
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Leitor de 5ª
29/05/2014
O frango de Paladar e o frango do Comida
Digamos que a imaginação não seja o forte na redação de Paladar. Ou, então, que estejamos diante de uma questão transcendental... Senão como explicar a matéria de hoje, igual à do Comida de ontem? Tem gosto de frango requentado. Tá certo, “o objetivo do Paladar é fazer você comer e cozinhar cada vez melhor”, o de Comida talvez seja outro.
Para tanto, Paladar convidou o chef Carlos Siffert para ensinar a fazer o melhor frango assado e investigou “as melhores televisões de cachorro da cidade”. Confesso, contudo, que só fiquei mais confuso...
Paladar abandona a distinção que Comida fez entre frangos comuns, “orgânico”, caipira e sem antibióticos. Trata tudo igual. (Já havia tratado disso em edição anterior e deve supor que leitor é bom aluno...). Pensa mesmo naquele franguinho chinfrim que se compra em supermercado. O Carlos Siffert ensina, então, a tempera-lo e assa-lo. E explica que “por ser uma ave pequena, o frango não precisa de dez horas de marinada”. Lembra o leitor que, ontem, Comida mandou marinar por pelo menos 12 horas? E agora?
Mas o próprio jornal não leva a sério a opinião do chef consultado, pois diz que “é fácil de entender o que deu fama” ao franguinho do Bologna: “É o tempero(...). Antes de ir para o espeto, passa dois dias numa marinada com água e ervas frescas”. Afinal, descabela-se o leitor e não sabe o que fazer com o frango pré-forno...
Talvez opte por um frango pronto, tipo televisão de cachorro, para fazer frente à visita inesperada da sogra. E a amada sogra merece o melhor...
No quesito “melhor televisão de cachorro”, Paladar sugere vários endereços, nos quais o frango custa de R$23 a R$75. Acho realmente extraordinário que o frango televisado seja apenas aquele “dos jardins” e imediações.
Nada mais democrático do que o frango de padaria aos domingos. Na cidade toda. Por que critério, que não seja o de classe social, bunda-molismo dos repórteres ou coisas semelhantes, se sente o jornal autorizado a falar em “melhor”? A turma da ZN, da ZL, que leia o jornal, fica déboussolé...
Então, caro leitor, o guia não guia, mas desvia. Se oriente, rapaz!
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Leitor de 5ª
28/05/2014
Os frangos e a compaixão II
Jacus, mutuns, macucos gordos talvez tenham sido as verdadeiras razões para os índios brasileiros nunca aceitarem os frangos em sua dieta. Uma mudança penosa. Criavam frangos, sim, para vender aos brancos. Ou para arrancar as penas que, tingidas, formavam os cocares.
Na tradição europeia, vindas da Índia, pareciam coisa nobre, retificadora do corpo dos doentes. Iguaria até. Mas a degradação do frango na cultura ocidental é o retrato perfeito da degeneração de qualquer carne na cultura ocidental.
Degeneração porque, tantas são as mudanças genéticas introduzidas pela seleção artificial que esses animais já não conseguiriam viver por si próprios na natureza. São artefatos, não animais. A galinha requer compaixão.
Havia uma raça de frangos, pouco prolífica, feia, atarracada, baixinha, de peito grande, que se extinguiu. Um dia, numa ninhada de um fazendeiro inglês, eis que nasce uma animal feio assim. Sua genética foi restaurada, e eis que surgiu o dito “chester”. O que era defeito virou virtude.
Comida procura mostrar frangos diversos a partir de sua alimentação, apesar de indicar uma misteriosa “evolução” genética. Não consomem hormônios, só antibióticos (ufa!). São fedidos, com cheiro de ração. A dica do jornal: marinar “por ao menos 12 horas antes do preparo”.
O professor Hervé This já demonstrou que marinar por mais de 2 horas não adianta nada. Digamos que adianta sim: quanto mais desprezível a carne, maior a importância dos rituais de purificação. E da-lhe marinada. Sábios aqueles índios.
Na tradição europeia, vindas da Índia, pareciam coisa nobre, retificadora do corpo dos doentes. Iguaria até. Mas a degradação do frango na cultura ocidental é o retrato perfeito da degeneração de qualquer carne na cultura ocidental.
Degeneração porque, tantas são as mudanças genéticas introduzidas pela seleção artificial que esses animais já não conseguiriam viver por si próprios na natureza. São artefatos, não animais. A galinha requer compaixão.
Havia uma raça de frangos, pouco prolífica, feia, atarracada, baixinha, de peito grande, que se extinguiu. Um dia, numa ninhada de um fazendeiro inglês, eis que nasce uma animal feio assim. Sua genética foi restaurada, e eis que surgiu o dito “chester”. O que era defeito virou virtude.
Comida procura mostrar frangos diversos a partir de sua alimentação, apesar de indicar uma misteriosa “evolução” genética. Não consomem hormônios, só antibióticos (ufa!). São fedidos, com cheiro de ração. A dica do jornal: marinar “por ao menos 12 horas antes do preparo”.
O professor Hervé This já demonstrou que marinar por mais de 2 horas não adianta nada. Digamos que adianta sim: quanto mais desprezível a carne, maior a importância dos rituais de purificação. E da-lhe marinada. Sábios aqueles índios.
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Leitor de 5ª
30/04/2014
Mulher na cozinha sinhô não quer
Comida comete mais uma matéria chinfrim, desperdiçando um bom tema: mulheres na cozinha. Chinfrim porque baseada num falso problema: a vida dura, a jornada de trabalho nas cozinhas, seria inadequada à mulher. Nem mesmo Josimar, sempre lúcido, deixa de invocar o atavismo “nas cavernas...” ou que “a profissão de cozinheiro sempre foi extenuante, requerendo força física”. E seguem os argumentos arrolados por Marilia Miragaia: dificil criar filhos, o cheiro de cebola que o namorado reclama, etc etc.
Escapa ao jornal a análise da proletarização, que atirou a mulher na força de trabalho, integrando um trabalhador coletivo, abstrato, sem gênero. Escapa também como a formação da cozinha industrial, no final do século XIX, erigiu os preconceitos de genero como barreira de entrada para a mulher, obstáculo que favoreceu a masculinização da cozinha. A mulher burguesa, dondoca ou coisa parecida, envolta em valores das classes dominantes, funcionou como biombo a esconder esse processo discricionário de masculinização da força de trabalho nos hotéis e restaurantes. O grande Escoffier, afirmava em 1890:
“Cozinhar é indubitavelmente uma arte superior, e um chef competente é tão artista em seu ramo de trabalho quando um pintor ou escultor. Há tantas diferenças entre bons e maus cozinheiros quantas entre uma sinfonia executada por um grande mestre instrumentista e uma melodia tocada num realejo(...). Nas tarefas domésticas é muito difícil encontrarmos um homem se igualando ou excedendo uma mulher; mas cozinhar transcende um mero afazer doméstico (...). A razão pela qual na culinária os louros são “apenas masculinos” não é difícil de encontrar (...). O que acontece é que o homem é mais rigoroso no seu trabalho, e o rigor está na raiz de tudo o que é bom, como em tudo o mais. Um homem é mais atento sobre os vários detalhes que são necessários para produzir um prato verdadeiramente perfeito (...). Uma mulher, por outro lado, irá trabalhar com o que tem à mão. Isso é muito agradável e generoso de sua parte, sem dúvida, mas eventualmente estraga a sua comida e o prato não será um sucesso. Uma das principais faltas de uma mulher é sua ausência de atenção aos menores detalhes - a quantidade exata de especiarias, o condimento mais adequado a cada prato; e essa é uma das principais razões pelas quais seus pratos parecem pálidos diante daqueles dos homens, que fazem os pratos mais adequados a cada ocasião (...). Quando as mulheres aprenderem que nenhuma insignificância é demasiadamente pequena para ser desprezada, então iremos encontrá-las à frente das cozinhas dos clubs gourmets e dos hotéis; mas até então esses serão lugares nos quais, certamente, o homem reinará absoluto”.
Desse modo, o sinhô da cozinha moderna pretendia mostrar que ela não é lugar para mulher. Aquela mesma cozinha que fora mais “feminina” do que “masculina” antes da revolução industrial. Era uma típica reação burguesa contra o deslocamento da mulher em direção ao mercado de trabalho, abandonando os afazeres do lar. Muito antes a mulher proletária já estava no mercado, eventualmente acumulando uma dupla jornada de trabalho. Ou seja: a questão é como a modernidade industrial expulsou a mulher da cozinha profissional, e não o contrário.
Se a reportagem entrevistasse alguns chefs da cena paulistana, inclusive moderninhos, veria ativos muitos preconceitos em relação ao trabalho feminino - versões atuais daquela velha máxima: mulher menstruada faz desandar a maionese... Não por acaso, as mulheres entrevistadas por Comida são proprietárias ou sócias dos restaurantes, isto é, participam do capital, anulando aquela que é a verdadeira força discricionária.
A matéria do Comida também transpira preconceitos. Com isso, deixa de se perguntar o que, a meu ver, realmente importa: haveria uma sensibilidade tipicamente feminina, ou um conjunto de gestos femininos que se perderam no processo de “masculinização” da força de trabalho cozinheira?
De minha parte, procurei explorar isso de modo introdutório em artigo publicado (“Flexionando o gênero: a subsunção do feminino no discurso moderno sobre o trabalho culinário”, Cadernos Pagu (39), julho-dezembro de 2012:251-271), que integrará também meu próximo livro (Formação da culinária brasileira. Escritos sobre a cozinha inzoneira, São Paulo, Editora Três Estrelas) a aparecer no final de maio.
Escapa ao jornal a análise da proletarização, que atirou a mulher na força de trabalho, integrando um trabalhador coletivo, abstrato, sem gênero. Escapa também como a formação da cozinha industrial, no final do século XIX, erigiu os preconceitos de genero como barreira de entrada para a mulher, obstáculo que favoreceu a masculinização da cozinha. A mulher burguesa, dondoca ou coisa parecida, envolta em valores das classes dominantes, funcionou como biombo a esconder esse processo discricionário de masculinização da força de trabalho nos hotéis e restaurantes. O grande Escoffier, afirmava em 1890:
“Cozinhar é indubitavelmente uma arte superior, e um chef competente é tão artista em seu ramo de trabalho quando um pintor ou escultor. Há tantas diferenças entre bons e maus cozinheiros quantas entre uma sinfonia executada por um grande mestre instrumentista e uma melodia tocada num realejo(...). Nas tarefas domésticas é muito difícil encontrarmos um homem se igualando ou excedendo uma mulher; mas cozinhar transcende um mero afazer doméstico (...). A razão pela qual na culinária os louros são “apenas masculinos” não é difícil de encontrar (...). O que acontece é que o homem é mais rigoroso no seu trabalho, e o rigor está na raiz de tudo o que é bom, como em tudo o mais. Um homem é mais atento sobre os vários detalhes que são necessários para produzir um prato verdadeiramente perfeito (...). Uma mulher, por outro lado, irá trabalhar com o que tem à mão. Isso é muito agradável e generoso de sua parte, sem dúvida, mas eventualmente estraga a sua comida e o prato não será um sucesso. Uma das principais faltas de uma mulher é sua ausência de atenção aos menores detalhes - a quantidade exata de especiarias, o condimento mais adequado a cada prato; e essa é uma das principais razões pelas quais seus pratos parecem pálidos diante daqueles dos homens, que fazem os pratos mais adequados a cada ocasião (...). Quando as mulheres aprenderem que nenhuma insignificância é demasiadamente pequena para ser desprezada, então iremos encontrá-las à frente das cozinhas dos clubs gourmets e dos hotéis; mas até então esses serão lugares nos quais, certamente, o homem reinará absoluto”.
Desse modo, o sinhô da cozinha moderna pretendia mostrar que ela não é lugar para mulher. Aquela mesma cozinha que fora mais “feminina” do que “masculina” antes da revolução industrial. Era uma típica reação burguesa contra o deslocamento da mulher em direção ao mercado de trabalho, abandonando os afazeres do lar. Muito antes a mulher proletária já estava no mercado, eventualmente acumulando uma dupla jornada de trabalho. Ou seja: a questão é como a modernidade industrial expulsou a mulher da cozinha profissional, e não o contrário.
Se a reportagem entrevistasse alguns chefs da cena paulistana, inclusive moderninhos, veria ativos muitos preconceitos em relação ao trabalho feminino - versões atuais daquela velha máxima: mulher menstruada faz desandar a maionese... Não por acaso, as mulheres entrevistadas por Comida são proprietárias ou sócias dos restaurantes, isto é, participam do capital, anulando aquela que é a verdadeira força discricionária.
A matéria do Comida também transpira preconceitos. Com isso, deixa de se perguntar o que, a meu ver, realmente importa: haveria uma sensibilidade tipicamente feminina, ou um conjunto de gestos femininos que se perderam no processo de “masculinização” da força de trabalho cozinheira?
De minha parte, procurei explorar isso de modo introdutório em artigo publicado (“Flexionando o gênero: a subsunção do feminino no discurso moderno sobre o trabalho culinário”, Cadernos Pagu (39), julho-dezembro de 2012:251-271), que integrará também meu próximo livro (Formação da culinária brasileira. Escritos sobre a cozinha inzoneira, São Paulo, Editora Três Estrelas) a aparecer no final de maio.
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Leitor de 5ª
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