22/05/2019

Cozinha: do harmônico ao sinfônico



Ontem se comemorou, no restaurante Vista, um ano de existência com um menu degustação a “oito mãos”. Além de Marcelo Bastos, Rodrigo Isaias do Benedita; Fábio Vieira, do Micaela; Gustavo Rodrigues, do Quibebe.

Não sou fã dessas coisas a muitas mãos. Sempre me parece um expediente mais mercantil do que gastronômico. No caso, pareceu uma exceção a essa regra. E o leitor poderia achar que sequer sou isento para pensar diferente – já que, além de amigo, escrevi com Marcelo o livro sobre a Culinária Caipira da Paulistânia. Mas havia um esforço em se passar da harmonia à sinfonia que me pareceu um bom passo.

Para mim, os destaques foram os frutos do mar. E peixe é coisa que exige ciência... Fábio Vieira se ofereceu em ritual antropofágico, metonímico, através de uma vieira grelhada sobre molho hollandaise, ovas de salmão e lakyo. Bem bom, se bem que eu diminuiria um pouco a acidez da hollandaise (idiossincrasia minha). Marcelo, com aquele seu pé de admiração pela cozinha japonesa, mandou um carapau cru com alho e gengibre, ao qual eu acrescentaria mais umas partículas de sal (idiossincrasia minha). Last, but not least, Gustavo Rodrigues um filé de peixe em “molho de lagostin” (que é como ele chama a sauce Nantua) e farofa de castanha do Pará. Por ende, Isaias nos trouxe uma costelinha de porco com purê de canjica e farofa de limão. Bem bom. O mais eram adereços de entrada: mini acarajé com vatapá e mini abará com caruru (Rodrigo Isaias), e o caldinho de siri com pimenta de cheiro do Marcelo. Uma evocação do país que, afinal, ainda não acabou.

Mas, então, o que foi excepcional? No conjunto, sentia-se uma cozinha multiautoral ao mesmo tempo que madura e consolidada em torno dos peixes e vieira. Fiquei imaginando que os três autores, se abrissem um restaurante de frutos do mar, estariam predestinados ao sucesso. Por que isso aconteceu? Porque em vez de procurarem “brilhar” através da autoria solo, construíram algo que falava em uníssono de modo sinfônico.

Me impressiona muito, e positivamente, quando se consegue superar o marco da competição pela colaboração. Em tempos de MasterChef o que temos é uma metáfora culinária bolsonarista: em vez da cooperação, busca-se eliminar o outro.  Pois esses jovens cozinheiros mostraram que é possível olhar para uma sociedade cujo horizonte é o reencantamento do mundo, ainda que de modo efêmero à mesa. Aquelas 8 mãos não compunham 4 egos irredutíveis. Mas um mutirão pelo bom, pelo belo e pelo agradável.Gostei muito.

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