A gastronomia é cheia de amor para dar. Chefs, chefinhos e
chefetes muitas vezes apóiam seus discursos em ditos como “cozinha é amor”. Na
verdade tudo deveria ser amor, não é? Até o modo de tratar os moradores de rua,
exigindo que a Prefeitura de São Paulo se alinhe com práticas solidárias. Mas
este é outro assunto.
O amor não pode ser um biombo a esconder a falta de
conhecimento técnico. A química dos alimentos em nada é afetada pelos
sentimentos de quem cozinha. Não basta amor, nem fidelidade à “ancestralidade”,
se não se compreende a arquitetura químico-física de um produto feito na
cozinha. Esta oposição, além de falsa, não ajuda em nada a aspiração de
desenvolvimento gastronômico.
Tenho visto um crescente interesse de jovens em confeitaria.
Mas esse horizonte de beleza nas sobremesas esbarra no uso abusivo de leite
condensado, do desregramento no uso do açúcar, no desconhecimento do que
estrutura as moléculas em vários tipos de preparação. Poucos são os alunos recém-saídos
de faculdades de gastronomia que conseguem discorrer sobre a organização das
mousses, independentemente de serem salgadas ou doces. Saem convictos de que
uma maionese é uma coisa de outra família de uma mousse de chocolate. Acreditam
que o que estrutura a mousse é a manteiga e a clara batida e assim por
diante...
Na confeitaria, felizmente, alguns profissionais já se
apresentam no mercado ofertando conhecimentos de outra qualidade. É o caso, por
exemplo, da Escola Sorvete de Francisco Sant´anna. Tudo medido, tudo pesado, utilizando produtos naturais
tecnológicos, como garantia de construção de sorvetes modernos com a melhor
técnica. Francisco, em sua biografia, trabalhou próximo ao grupo de Hervé This e
todos nós nos beneficiamos disso.
É também o caso de Joyce Galvão , engenheira
de alimentos que trabalhou na Fundação Alicia, de Ferran Adrià. Ela já nos fez
o favor de publicar um livro sobre a química dos bolos, explicando entre outras
coisas que não é a clara batida que faz o bolo fofinho, mas o fermento (mas tem
gente que ainda fica pegando receita de avó e atribui ao amor o sucesso químico
dos bolos). Ela também tem uma iniciativa anual que congrega confeiteiros em torno da reflexão que faz pensar no automatismo da
vida e das receitas estabelecidas.
Esses dois profissionais das luzes,que não se deixaram paralizar pelo pseudo-"amor" ou ancestralidade, introduzem o ingrediente
mais importante na nossa gastronomia: a inteligência, a ciência e a técnica.
Importante porque, até hoje, além do amor, muitos profissionais se entregam de
corpo e alma aos produtos para confeitaria da Nestlé. Só quem não se importa por
ser o último elo de uma cadeia industrial despreza esse conhecimento.
Uma confeitaria parruda, como os japoneses construíram,
implica em dominar o açúcar e demais ingredientes através do conhecimento da física
e da química, não sendo dominado pela Nestlé e outras multinacionais de
insumos. Sem isso, não há amor que sobreviva. Acredite.
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