29/10/2009

...e dá-lhe livros!!

Massimo Montanari esteve ontem palestrando no Mesa Tendências e autografando a sua coletânea de artigos.

Ele é historiador especializado em história medieval e história da alimentação, da Universidade de Bolonha. Seu livro junto com Jean-Louis Flandrin (História da Alimentação, São Paulo, Estação Liberdade, 1998) é a bíblia que os estudantes de gastronomia mais descolados levam sob o braço. Hoje ele autografará O mundo na cozinha na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

O livro é muito bom: contribuição islâmica às culinárias cristãs, fundamentos culinários da Europa Medieval, condimentos demasiado picantes ou doces demais, temperos nacionais, a cozinha cosmopolita do imperador da China, comida africana na cultura “branca”, a cozinha da América e o intercâmbio colombiano, cozinha judaica, exportação de terroir, o mito da “Bolonha gorda” e muitos outros temas.

O time é de primeira. O próprio Montanari, Flandrin, Dominique Fournier, Françoise Sabban, entre outros. Sabban é a especialista em cozinha chinesa. Foi diretora da Maison franco-japonaise em Tokyo. Hoje, em Paris, continua suas pesquisas em história e antropologia da alimentação. Já li, dela (com Silvano Serventi), uma magnífica monografia sobre macarrão, intitulado Pasta, que se adquire por uma ninharia no site da Abebooks.

Para quem acha pouco, hoje Alex Atala e eu autografaremos no Mesa Tendências a 2ª edição revista de Com unhas, dentes & cuca. Será a partir das 16:45 horas. Às 17:30 horas o Alex dará aula sobre priprioca.

28/10/2009

À margem de tendências

Alain Ducasse mandou bem ontem na abertura do Mesa Tendências.

Impressionante como os franceses constroem, para si próprios, uma lógica impecável para justificar o domínio sobre a arte culinária: possuem história e capacidade de adaptação, de modo que nunca são superados; fazem uma cozinha de hoje, não de amanhã (sic). O mais incrível é que acreditam piamente na existência do “gosto francês”. Mas o homem tem um fã clube incrível: há pessoas que ficaram literalmente arrepiadas quando Ducasse subiu ao palco.

Jean Michel Lorain fez, no palco, uma gororoba com ostra. Não era bonito nem parecia melhor que a ostra ao natural.

Marc Meneau não apareceu e mandou um auxiliar. O guri se atrapalhou em cena. Fez o público esperar aquecer meia panela de óleo para fritar. Um tédio só.

27/10/2009

Momento nostalgia: boil in oil

26/10/2009

A precedência no direito costumeiro dos restaurantes

O Luiz Américo chama a atenção sobre a ordem de precedência no serviço dos restaurantes; ou melhor, para a desordem que tem se generalizado, preterindo-se as ladies em prol dos senhorios que, teoricamente, “pagam a conta”. É uma inversão total do antigo código da cavalaria!

E me lembrei que, invariavelmente, se você pede um refrigerante e a senhora ou senhorita que o acompanha, um chopp, na hora de servir o garçom inverterá o pedido. Desatenção? “Sinal de erosão daquelas boas-maneiras básicas, mínimas. Aquilo que parecia tão óbvio quanto dizer boa noite, por favor, obrigado”, como sugere Luiz Américo?

Sim e não. Ambos. Serviço à francesa, à americana, à russa, se sucederam ao longo do tempo. Mais recentemente surgiram no Brasil o sistema de rodizio e o sistema “é o senhor que serve” (sic), dito também self-service. É uma confusão muito grande. O garçom se sente não como a alma do serviço, mas como um mero auxiliar seu. Traz isso ou aquilo, leva o prato usado, etc.

Para pôr ordem nisso, é preciso um Senac de reciclagem dos garçons, recrutados sabe-se lá como. Alguém que explique que hospitalidade é mais do que colocar o garfo e a faca do “lado certo”, e que a abordagem do copo do cliente também tem lado mas que o garçom não precisa se espremer na parede para seguir a regra, etc etc.

Que tal fazermos um levantamento exaustivo das escorregadas do serviço para auxiliar as instituições dispostas a corrigir os rumos da hospitalidade que degenerou?

24/10/2009

O que iremos comer amanhã?

Finalmente saiu o livro do historiador Warren Belasco que é uma “história do futuro da alimentação”, isto é, uma história das utopias alimentares e o que prometem como futuro em cada época. A capa ficou bem melhor do que a da edição norte-americana, e a edição brasileira também superou o cacoete comum de se suprimir índices remissivos nas traduções, como se fosse um luxo ou excesso. Este teve o seu mantido. A seguir trechos da apresentação que escrevi para a obra:

O livro do professor Warren Belasco, da Universidade de Maryland, constitui uma leitura fascinante para quantos, preocupados com a nutrição, a segurança alimentar ou a culinária, buscam dialogar com as estruturas de pensamento vivas e atuantes por trás daquilo que levamos à boca. O seu “ovo de Colombo” foi descobrir, como historiador, a estrutura recorrente dos discursos sobre o futuro da alimentação nos últimos 200 anos, desnudando algo que todos farejamos no ar sem conseguir nominar corretamente. Belasco nos aponta um verdadeiro dilema permeando as escolhas alimentares dos últimos séculos.

De fato, o odioso texto de Thomas Malthus – o seu "Um ensaio sobre o princípio da população na medida em que afeta o melhoramento futuro da sociedade, com notas sobre as especulações de Mr. Godwin, M. Condorcet e outros escritores" (1798) – ou o terrivelmente irônico texto de Jonathan Swift, sua “modesta proposição” para a erradicação da fome na Irlanda, de 1729, continuam a soar como alertas para os catastrofistas do presente que acreditam que, em algum momento da história, faltarão alimentos suficientes para uma população humana crescente. Em contraste, os otimistas incorrigíveis – entre os quais se alinham empresas como a Monsanto e quantos acreditam que a transgenia garantirá um futuro de abundância crescente de alimentos – apostam num futuro radiante e transformam essa fé em fonte dinâmica de acumulação de capital. Prensados entre os dois pólos estão os comuns dos mortais com suas idéias ingênuas sobre o futuro alimentar da humanidade. O que une a todos – catastrofistas, otimistas e cidadãos comuns – é o jogo sedutor da utopia, isto é, a construção mental de futuros ideais onde as profecias inevitavelmente se realizarão.

O que ele nos oferece, num capítulo específico sobre a centralidade da carne na dieta moderna, é uma reflexão que faz há mais de trinta anos. Este é o primeiro tópico do que chama de “batalha sobre o futuro da alimentação”, tal e qual se processa nos think tanks voltados para o tema.

Certamente é uma questão crucial em termos malthusianos e anti-malthusianos. A utilização das terras para pastagens, ou para produção de alimentos para rebanhos bovinos é, sob o ponto de vista de consumo energético, francamente desfavorável ao carnivorismo, pois são necessários 19,4 quilos de cereal para produzir um quilo de carne bovina. Esta mesma equação se dá, em menores proporções, na produção de frangos, porcos, carneiros, etc; afinal, a alimentação dos animais, além de produzir a carne, produz o seu processo de vida, como o seu crescimento, movimento, manutenção do calor do corpo, etc. O próprio Malthus apontava o colonialismo como expediente de exportação de excessos populacionais e de expansão dos pastos para produção de carne, cujo limite se situava nas fronteiras das civilizações hindu e chinesa, baseadas na agricultura irrigada do arroz. Assim, na base do próprio dilema malthusiano, estava a oposição carnivorismo-vegetarianismo que se solucionou, temporariamente, através da expansão das fronteiras do mundo ocidental.

Mas a solução encontrada no far-west ou nos pampas argentinos, e que hoje pressiona as fronteiras da Amazônia, não dirime o conflito entre os dois tipos de dieta, atualizando, no domínio da futorologia, o dilema civilizacional. O que Belasco mostra de maneira bastante instigante é como “comer carne” se tornou sinônimo de “civilizado” no Ocidente.

O mundo anglo-saxão que Belasco nos apresenta parece conformar uma lógica onde tudo o que é de comer se encaixa numa expectativa de futuro que, ou acena com a fome, ou com a abundância. Para os gastrônomos, é interessante como Belasco mostra a emergência de Brillat-Savarin no contexto de otimismo abundantista e anti-malthusiano da França – na “tarde ensolarada do otimismo burguês” que dura até meados do século XIX - em contraste com o que seria, a partir de 1870, a sobriedade do período vitoriano, onde comida e sexo em excesso prenunciavam a ruína da humanidade.

Pílulas alimentares, coisas sintéticas, derivados de plâncton, de fermentos, etc, são as formas fantasiosas que o alimento vai assumindo, ao longo do tempo, para driblar os temores que recobrem o futuro. No outro extremo, metáforas de vida pastoril, cenários bucólicos, alimentos “orgânicos” e sistemas “sustentáveis” aparecem como a solução mais palatável para os otimistas, desde que políticas de conteúdo igualitário sejam fomentadas. O interessante é que Belasco mostra que nenhum deles é fantasia inocente: mais do que fruto da criatividade livre, da especulação descomprometida, são coisas que perseguem, de maneira obsessiva, desbravar o futuro com maior segurança; além disso, são idéias que arrastam consigo interesses econômicos arraigados, além estratégias de investimento e de marketing capazes de tipificar uma época.

O livro mostra também o surgimento da preocupação pelo controle e regulamentação modernos de aditivos alimentares, seja para resolver o “problema do sabor”, seja para adicionar novos valores nutricionais reconhecidos como tal pelas donas de casa, pelos médicos e pela mídia. A busca de novos valores nutricionais resultou em modas como a do acréscimo de ginseng, Gikgo biloba ou guaraná do Brasil a uma série de alimentos, como essenciais da perspectiva de que estes pudessem apresentar - além do sabor, textura e nutrientes comuns - novas qualidades “funcionais” que os qualificassem como “modernos” ou “smarts”. E foi para atender a onda de interesse pelas “bebidas smart” que as importações norte-americanas de mangas, goiabas e papaias cresceram vertiginosamente em meados dos anos 1990.

No tocante aos hábitos envolvidos como a alimentação moderna e “técnica” do presente, o exemplo mais curioso que Belasco nos fornece é o nascimento da chamada “mistura psíquica para bolo” (expressão cunhada por Alvin Toffler), que requeria a adição (além da água) de um ovo à fórmula comprada pronta, a partir da descoberta dos comerciantes de batedeiras de bolo que as donas de casa desejavam ter alguma “participação ativa” no processo de bater o bolo.

Nessa análise do presente próximo também não escapa a Belasco como, por trás da idéia de culinária fusion, está o mesmo velho espírito imperialista do período vitoriano. Tampouco que a tendência atual de busca por alimentos saudáveis, étnicos e de conveniência talvez não responda por 22% de novos produtos, sendo o restante meras reformulações de produtos já existentes.

A sensação que a leitura do livro de Belasco nos dá é que, mesmo quando acreditamos exercer o nosso mais profundo “eu” à mesa ou diante das panelas, trata-se de uma ilusão tão bem construída que, de repente, tomamos consciência de que somos nós mesmos os mistificadores de nossa época.

23/10/2009

Mel

Você olha um livro de receitas medievais, ou renascentistas, e percebe quanta coisa se fazia com mel, antes do advento do açúcar convertido em commodity colonial. A mesma coisa se vê na culinária indígena. Então se percebe quanta variedade e sutileza de sabor se perdeu quando o mundo europeu chegou a consumir 60 quilos de açúcar per capita.

Essas coisas Gilberto Freyre não nos contou em sua sociologia melada. Os chefs deviam "resgatar" (sic) o mel. Não estamos falando de receita, mas de ingrediente que está ai, com todo seu potencial, e que uma industria poderosa silenciou. O brasileiro come muito açúcar e pouco mel sem ter exatamente optado por isso.

O gênero "crítica da crítica"

A cena que os Bichos registraram no La Tasca, o oba-oba em torno de Josimar Melo, é bem interessante. E eles puderam comparar suas próprias experiências com o que Josimar escreveu depois no Guia da Folha.

É a "critica da crítica". Uma modalidade de crítica pouco exercida entre nós e que se concentra na análise da narrativa ou descrição de um terceiro; na análise do discurso confrontado com uma experiência entendida de modo diferente. O que emerge disso são sempre as diferenças de juízo, aumentando a liberdade de escolha do leitor. Enfim, põe todo mundo a raciocinar sobre o que come e sobre o que diz. E coloca certos blogs como fundamentais para se saber what is going on.

22/10/2009

A educação para o ovo

Um tom de lamento. Ao falar sobre os bichos, Clarice Lispector constata: “sobre galinhas e suas relações com elas próprias, com as pessoas e sobretudo com sua gravidez de ovo, escrevi a vida toda”. Cada um com os seus bichos. Impressionante a onça do conto “Meu tio Iaretê”, de Guimarães Rosa. Tem também o papagaio que, sem nome, atravessa boa parte da obra de Graciliano Ramos. E tem a galinha de Clarice. Ecos de um Brasil rural, chaves de entendimento do mundo moderno.

Laura é “uma galinha muito da simples”, simpática, casada, que vive no quintal de Dona Luisa. Laura possui uma “vida íntima” – o texto, portanto, é uma indiscrição - que Clarice conta para o leitor mirim. Só se pode dizer coisas assim para crianças. Sobre galinhas para adultos, diz: “a sua vida pessoal não nos interessa”. Laura é burra, mas “pensa que pensa”. Foge das pessoas que se aproximam dela, se não é para dar milho, cacarejando “não me matem! não me matem!”. Não entende a economia humana, pois ninguém tem a intenção de matá-la, visto que é ela “que bota mais ovos em todo o galinheiro”. Laura não gosta de pessoa alguma, seus sentimentos são os de “uma caixa de sapatos”.

“Nada de matar galinha”, enuncia Clarice enquanto elogia a delícia que é frango ao molho pardo. O refrigerante que “é bom de se beber com essa galinha” tem um nome que “começa com a letra C”. E toda manhã, bem cedo, Clarice batia na porta dos fundos do apartamento do editor Pedro Paulo de Sena Madureira para tomar uma garrafa de litro de Coca-Cola com Dna. Maru, governanta do editor.

Laura dizia que, se seu destino fosse ser comida, “queria ser comida por Pelé”. Mas não é todo dia que se pode contar com a fome de Pelé. Há os terríveis domingos: “era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma...”.

Há também a metafísica da galinha: “Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo”. Ela foge, é trazida em triunfo para o patíbulo, quanto então acontece: “de pura afobação a galinha pôs um ovo”. E a sentença absolutória: “mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!”. Como heroína, fica senhora da situação, da família. “Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos”. Fim do conto.

Os fragmentos de ensaio sobre a galinha Clarice esparge, como milho, sobre a superfície de sua obra. Mas é um disfarce. A galinha é o disfarce do ovo, esta é a coisa. Ninguém, como Clarice, penetrou tão fundo a natureza do ovo.
“De ovo em ovo chega-se a Deus, que é invisível a olho nu”. “Quando eu era antiga, um ovo pousou no meu ombro”. “Ao ovo dedico a nação chinesa”. “O ovo é a alma da galinha”. “Ver o ovo é impossível: o ovo é superinvisível como há sons supersônicos”.

E eis a contradição! “Fora de ser um meio de transporte para o ovo, a galinha é tonta, desocupada, míope”. “Para a galinha não há jeito: está na sua condição não servir para nada”. “As galinhas prejudiciais ao ovo são aquelas que são um eu sem trégua”.

“Para que o ovo atravesse os tempos a galinha existe”. Sim, o ovo foi calculado na Macedônia, e ele é a coisa mais nua que existe no mundo. E acresce que o ovo nunca lutou para ser ovo... “e o ovo? Este é exatamente um dos subterfúgios deles: enquanto eu falava sobre o ovo, eu tinha esquecido do ovo. Falai, falai, instruíram-me eles. E o ovo fica inteiramente protegido por tantas palavras”.

“Por devoção ao ovo, eu o esqueci”. Palavras levando o leitor ao teorema que decifra a charada. Afinal, está provado que o ovo veio antes da galinha. Senão, para que a galinha? Desamparada, na sua existência de servir somente ao ovo, pode ser comida sem culpa. Basta apenas não lhe dar nome ou criar intimidades. Galinha ao molho pardo com coca-cola. Desde criança há que existir a educação para o ovo.

(Este texto, republicado a pedidos, escrevi para a revista EntreLivros)

21/10/2009

Vitello tonnato


No almoço de ontem no Così, com o Martinelli, me dei conta de como certas modas voltam inexplicavelmente. É o caso do vitello tonnato, prato típico do Piemonte e valle d´Aosta. Um prato da “antiga cozinha” (sic) italiana, de novo bem difundido no presente. Você pode come-lo no Tappo, no Jacquin, no Parigi, no Piselli, no Cosi. E era muito bom no finado Carlini.

O especial nele é que dois peixes – atum (tonno) e aliche - são utilizados como temperos. O aliche sempre teve esse papel, mas e o atum? Desconheço outros usos nessa função.

A receita é mais ou menos constante: faz-se o vitelo na água com sal, salsinha, salsão e louro, cozinhando por meia hora. O molho: desfaz-se o atum, a alcaparra e o aliche, passando tudo pela peneira e incorporando maionese e caldo do vitelo cozido. O mais difícil por aqui é um vitelo como deve ser. Como é difícil, o prato tende mais para o rosbife tradicional. Não fica mal, mas também o que se perde não é mero “detalhe”.

Outro molho clássico italiano que merece ser redescoberto é a bagna cauda. Está nele, de novo, o aliche; agora com alho, leite e manteiga. Cocção lenta até se desfazerem os sólidos. Ótimo para banhar legumes crus.

A foto acima é do vitello tonnato em interpretação de Gualtiero Marchesi no seu La cucina regionale italiana (1993).

A marca do Zorro

O Pedro Martinelli me deu essa caixinha de bombom Pan recheado com conhaque. Disse que “voltou”. Nem sabia que havia sumido, mas me lembrei imediatamente de tudo o que ela evoca, inclusive o perfil do conhaque Dreher pela representação da garrafa do rótulo.

O programa era, aos domingos, assistir à matinê no cinema (Zorro), comendo esses bombons. Os pais regulavam a quantidade porque, diziam, tinha “bebida alcoólica”, e criança que toma álcool “não cresce”. E eu imaginava que a Pan trabalhasse secretamente para circos, produzindo anões. Mas nunca tive coragem de perguntar para um anão se ele havia comido muito bombom da Pan.

20/10/2009

Cardapio novo

O Cosi está de cardápio novo. Tem um stinco de cordeiro com feijão branco que é matador. Para compensar o papardelle com coelho que, infelizmente, dançou.

Drinkologia dos nacionais

Um capítulo importante da gastronomia é a drinkologia. Os drinks introduzem a refeição tanto quanto os petiscos e canapés.

A bebida nacional é a cachaça, em torno dela se organiza a drinkologia. A caipirinha é o seu protótipo. Não sei como surgiu a associação entre limão e cachaça, mas não deve ser muito diferente do que motivou a associação entre tequilla e limão; ou pisco e limão.

Mas a drinkologia tem fases e modas. A batida de limão só conquistou o mundo dos gastrônomos depois da Segunda Guerra. O embaixador Mauricio Nabuco escreveu, no período, um livro chamado Drinkologia dos Estrangeiros, alusivo ao que se bebia no famoso Hotel dos Estrangeiros e lá esta a batida de limão. “Para um cálice de Paraty, um quarto de cálice de suco de limão, uma colher, das de chá, da clara fina do ovo para ligar, bastante açúcar, bater com gelo. Em geral a borda do cálice é recoberta com açúcar [...] A batida simples, sem ovo, com um pouco de água gasosa, torna-se um pinga-fizz, passando a ser long drink, econômico e refrescante”. Esta forma nos ficou para o pisco, não para a cachaça. E Nabuco não diz uma palavra sobre a caipirinha.

A caipirinha, mais tosca, deve ter demorado mais para atingir os salões da “dinkologia”. E mais ainda para se libertar da tirania do limão; quando surgiram aquelas com maracujá, caju e outras frutas ácidas ou adstringentes. Nesse quadro das monotemáticas, a minha predileta é a de seriguela.

Agora estamos em plena terceira geração da drinkologia nacional: as caipirinhas com mais de uma fruta vão dominando o cenário, exigindo habilidades novas dos chefs (sim, eles também são responsáveis pelo que se serve no bar!).

Um exemplo notável é o que se faz no Totó – as caipirinhas do Alfredo e sua trupe são impagáveis. São sempre combinações de várias frutas, onde tudo se equilibra bem. A minha preferida é a cítrica, com limão, pomelo, mexerica, lima. Há uma que trabalha o caju que é também muito boa. E, claro, há as mais pirotécnicas: amora, framboesa e blueberry.

Outro lugar onde elas são excelentes é no Brasil a Gosto. A de caju e jabuticaba (e corra, que está na época dessas frutas!) é para tomar em balde, dormindo depois a tarde toda do domingo. Bem, nesse caso é melhor substituir a cachaça por vodka, que dá a impressão de ser mais “leve” (propicia um sono mais profundo...).

Escorreu mel no Entre Estantes & Panelas

Bem interessante a seção de ontem do Entre Estantes & Panelas. O professor Paulo Nogueira Neto é, de fato, o “doutor abelha”. Fez a clara distinção entre as espécies de abelhas nativas (Trigona jaty, Tetragonisca angustula, Melipona nigra, Oxytrigona tataíra, Scaptrotrigona postica, Lestrimelitta limao, etc), mostrando que esta é uma classificação que esconde variedade e riqueza enormes. Variam também, é claro, a qualidade e o sabor dos méis.

Tanto ele como Roberto Smeraldi relataram experiências atuais de exploração comercial destes méis especiais. Roberto chegou mesmo a contar as suas experiências gastronômicas, sugerindo que a acidez desses méis permite cozinhar pescados, como se faz com limão na preparação de ceviche.

O fato é que, apesar da cegueira costumeira do SIF - que não considera o mel das abelhas nativas como “mel”, dada seu teor de água superior ao mel da abelha Apis - há uma congregação de esforços entre criadores e, sem dúvida, esses méis farão uma aparição mais forte no mercado num futuro próximo. Paulo Nogueira contou que, no último encontro anual de criadores de abelhas, em Natal, cerca de 1.000 dos 3.000 apicultores presentes se dedicavam a abelhas nativas.

Para as pessoas de espírito prático e curiosidade culinária, o Professor Paulo Nogueira deixou um endereço onde se pode encomendar mel dessas abelhas:

Fernando Oliveira
fernando@institutoiraquara.org.br
Fone: (92) 9136-8010

17/10/2009

Como canta Luiz Melodia: eu quero é mel...


Depois do debate, Smeraldi autografará seu novo livro, lançado recentemente, sobre sustentabilidade. Há um capítulo sobre alimentação.

16/10/2009

A culinária de um outro Brasil

O “mundo comedor”- aquele que mastiga tudo, mesmo o que não digere - ainda se lembra da sensação que foi a aparição de Dna. Brazi, de São Gabriel da Cachoeira, no último evento do Paladar. Aquilo era tão consistente que nos fazia suspeitar que outras existiriam.

Pois bem, existem. Há um exército de “donas Brazi” como se pode constatar em uma foto: são, pelo menos, umas quatorze. A foto se encontra no Comidas Tradicionais Indígenas do Alto Rio Negro.

Em geral os chefs não lêem, segundo Santi Santamaria. Mas esse livro, que acaba de sair, terão que ler. Devagarinho. Acredito (e gostaria de estar enganado!) que seja o livro mais importante do ano, em cultura culinária. Comidas Tradicionais Indígenas do Alto Rio Negro, foi editado pelo Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane, da Fiocruz, pela Editora da Universidade Federal do Amazonas e pela Ong FOIRN. Não vai ser fácil comprá-lo, mas, acredite, valerá o esforço.

Só mesmo quem não lê (os comedores iletrados) acha que procurar aquele mascarpone impecável vale mais o esforço do que ir atrás de um livro mais que impecável. Pois o dito cujo foi organizado por Luiza Garnelo (médica e antropóloga) e pela índia baré, Gilda Barreto Baré. É o resultado de uma pesquisa realizada, de 2005 a 2007, entre mulheres indígenas da região. Melhor fonte não haveria.

São 87 receitas de cinco povos do Alto Rio Negro: baniwa, dzawinai, mawliene, liedawienai, kadapolitana. Gente como a gente: com línguas próprias, tradições e cozinhas. E a maioria quase absoluta dos citadinos do resto do Brasil nada ouviu sobre esses brasileiros. Muito menos de suas cozinhas.

A maior virtude culinária do livro é desconstruir a Amazônia. Ou melhor, a falsa unanimidade e uniformidade que o conceito nos sugere. Aprendemos, desde a escola, que aquela região é uma coisa só: floresta virgem,índio e bicho (depois, madeira, boi e soja). Culinariamente, acreditamos que o que se come em Belém é um resumo da Amazônia. O livro mostra que não é.

Outra grande virtude culinária é que não nos apresenta receitas da maneira que Escoffier nos ensinou que devem ser escritas: tudo padronizado, pesado. Nada disso. É um livro de etnografia: registra os processos culinários tal e qual as mulheres que participam do projeto descreveram.

Há receitas que começam na roça, descrevendo uma árvore ou uma fruta. Em outras, parece que está tudo ali, à mão, e se trata de uma alquimia: mistura isso com aquilo e estamos conversados. Ensina a fazer piracui e ensina que o melhor peixe para ele é a traira, pois “o piracui desse peixe fica bem fino”.

Dona Brazi fez, em São Paulo, a mujeca (para mim, uma corruptela de “moqueca”) que, em língua mawlieni, se diz dzalikha. Parece indiano, não é? Pois a receita está no livro, com simplicidade estonteante. Fiquei mesmo sem saber como se extrai tanto sabor de quase nada. Uma culinária substantiva que nos dá a sensação de que somos absolutamente adjetivos, parnasianos ao cozinhar.

Não é um livro fácil, pois usa termos com os quais não estamos familiarizados. Mas também não é difícil, pois as receitas, mesmo quando trabalhosas, não são complexas.

Não é um livro para cozinheiros, mas não é contra eles. Há, por exemplo, doces que se fazem com a garapa da cana, em vez de açúcar; há doces que não levam nem açúcar nem garapa. Há muita farinha, goma, beiju, peixes, paca, frutas, pimentas. Uma variedade inebriante. Centenas de informações interessantíssimas. Essa deve ser a matéria-prima dos cozinheiros que investigam as entranhas do Brasil. Chega de ler fontes secundárias, chega de folclorização do popular!

O livro foi concebido e realizado dentro de uma estratégia mais ampla de uma Ong, mas é o exemplo mais claro do tipo de trabalho que necessitamos para mapear o território culinário brasileiro. É etnografia que precede qualquer teorização ou qualquer “experimentação” na cozinha urbana que se pretende “de raízes”.

Francamente, se eu fosse cozinheiro passaria uns seis meses nas casas e roçados de São Gabriel da Cachoeira, em vez de ir espumar em Barcelona.

15/10/2009

Seca ou fresca?

Outro dia Alhos falou da dificuldade crescente para se comer boa massa em São Paulo. É verdade, mas uma dificuldade boba. Especialmente porque a farinha italiana tipo "OO" já é encontrável no mercado.

Mas vários "desvios" exigem atenção. O primeiro, a confusão entre massa seca e fresca. Seca é seca, fresca é fresca. Fresca dura horas, o que dificulta a sua comercialização. Mas criou-se, entre nós, a "fresca" secada... Massas artesanais, produzidas como frescas, mas estocadas secas sem frescura e frescor. Isso não pode dar bom resultado.

Então, as frescas de mais qualidade ficam restritas às recheadas. E há gente que se esmera nos recheios, produzindo ótimas massas; como a Ana Soares do Mesa III - que, inclusive, produz massas para muita gente que insiste em chama-las de "sua". E registre-se a "massaria" à vista no Così.

O segundo desvio é o "molhismo". Há a crença que "brasileiro gosta de muito molho". Então, vem aquela profusão. Quase uma massa ensopada. O que faz também com que os donos de restaurante sequer olhem o receituário siciliano, por exemplo, onde se encontram excelentes massas mais para o seco do que para o ensopado.

Isso tudo sem falar do maldito "molho branco" que se insinua nos pratos aqui e ali, não é?

13/10/2009

Menos teatro e mais ciência

Ontem a polícia fechou o restaurante Champion, na Liberdade. Encontrou um siri vivo no banheiro, o que rendeu foto num jornal. E encontrou peixes e camarões num balde.

Nos anos 80 houve uma grande campanha contra a “falta de higiene” nas pastelarias chinesas. Encontrava-se baratas, que apareciam estampadas em fotos! O resultado foi que os chineses acabaram abandonando o ramo, que foi ocupado pelos japoneses – com o apoio dos seus eficientes vereadores, que controlavam as licenças de barracas de feira dadas pela prefeitura. O “pastel de feira” mudou de mãos.

Pessoalmente acho que um siri vivo é muito bom sinal. Mesmo que tenha escapado do balde e se metido no banheiro, sabe-se lá por que instinto ou necessidade. Os chineses também mantêm peixes vivos nos restaurantes. Enguias, carpas. Apreciam o movimento. Dos animais, preferem as partes que se movem: rabos, pés, orelhas, focinhos, línguas...

Os insetos não são “sujos” para os chineses, nem para os nossos índios. Mesmo que sejam baratas. Nem o “horripilante inseto” de Kafka era uma barata, como provou o tradutor Modesto Carone. Mas que alguém antes tenha traduzido errado, interpretando “horripilante” como “barata”, diz mais da nossa cultura que se quer asséptica do que do inseto.

Os ideiais de higiene e saúde variam de povo para povo. Na França é um crime lavar um frango antes de levá-lo à panela. O mito da água purificadora está mais ligado ao batismo do que à higiene.

Precisamos meditar sobre saúde e higiene. Não me impressiono com os funcionários de restaurante com tocas, luvas e máscaras. São ridículos, e o ridículo avança por padarias e lanchonetes também. Sabemos que tal parafernália não espanta aos microorganismos...

Seria bom se substituíssemos gestos teatrais por análises químicas e microbiológicas. Saberíamos se, de fato, os salmões e frangos, entupidos de antibióticos, serão nocivos a curto, médio ou longo prazo; se os hormônios ministrado a uma vasta gama de animais afeta nossa saúde de forma irrecorrível; se os nitratos e nitritos que o SIF exige nas carnes em conserva são ou não cancerígenos, e assim por diante.

Os franceses e as palavras...

Como Luiz Américo registrou por via indireta, Hervé This está às voltas com a dicionarização da sua expressão gastronomia molecular e não quer vê-la confundida com culinária molecular, que é o que ele mesmo acha que Adrià e outros fazem.

Hervé se pensa como um Lavoisier da cozinha. Tanto é que o nome de seu principal livro deriva do Tratado de Química, de Lavoisier.

Acontece que Adrià acha que não faz culinária molecular. Acha que faz uma melange de técnicas e emoções, e só adotou essa denominação bem pouco esclarecedora para se colocar fora da tutela científica de Hervé. Mas ele mesmo confessa, em Secretos de El Bulli, que sua vida mudou totalmente quando assistiu a uma palestra de Hervé This na Fundação Escoffier.

Então, por que esse preciosismo de Hervé, que criou as duas expressões? Talvez a resposta esteja num trecho de Lavoisier que ele mesmo gosta de citar: “a impossibilidade de isolar a nomenclatura da ciência e a ciência da nomenclaura deve-se ao fato de que toda ciência física se baseia necessariamente em três coisas: a série de fatos que constituem a ciência, as idéias que as representam e as palavras que as expressam [...]. Como são as palavras que conservam as idéias, e que as transmitem, resulta que não se pode aperfeiçoar as linguas sem aperfeiçoar a ciência, nem a ciência sem a língua”.

Na verdade Hervé acha que os cozinheiros nunca abandonaram o empirismo, e não quer ser confundido com eles no que faz.

É isso ai.

Ideogramas que escondem surpresas

Bucho de boi desfiado, tofu com ovo preto, geléia de pele de porco, língua de pato salgada, sopa de abóbora com camarão seco, sopa de milho com ovos, sopa de tofu em tacho de barro, intestino grosso de porco frito, bucho de peixe com frutos do mar, camarão frito com sal temperado, pepino do mar com shoyu, siri com pimenta e sal. Bota exótico nisso (no verdadeiro sentido da palavra)!

São muitas dezenas de pratos e uma só dificuldade para encontrar companhia que, sem restrições, seja capaz de avançar através deles. A idéia de comer equinodermos (pepinos-do-mar) provoca arrepios em muita gente.

Já experimentei várias sopas e legumes, além de frutos do mar e intestino de porco frito. Gostei bastante. Meu preferido, até agora, é um siri enfarinhado e frito, com pimenta. Mas nem sempre que peço vem o mesmo prato. De todas as modalidades de preparação do siri (umas quatro), o enfarinhado é o melhor. Então é sempre uma surpresa: conseguimos, desta vez, nos fazer entender? Que falta faz um curso de mandarim!

Um lugar simples, poucas mesas. Quem me indicou o Jardim Meio Hectare foi um ocidental; professor há anos de artes marciais chinesas, esteve na China várias vezes. Para ele – que duvida da correta transliteração dos ideogramas - este é o restaurante que mais se assemelha com o que se come por lá. Não tenho porque duvidar, apesar da evidente desproporção entre “meio hectare” e a superfície comestível da China.

Acho bem melhor que o Shi Fu (sobre este, já escrevi ) – o que já é bastante para ir várias vezes. Comparando os mesmos pratos nos dois lugares, o Jardim sai ganhando no acabamento e nos molhos. O público é essencialmente chinês, a simpatia das atendentes um pouco maior; a dificuldade de nos fazermos entender, a mesma do Shi Fu.

Endereço: Rua Thomas Gonzaga, 65 – Liberdade – São Paulo

09/10/2009

O conde da floresta

A “língua do Brasil” era, até o século XIX, a língua-geral, o nhengatu, falado pela população interior (Amazonas, São Paulo, colonias guaranis no sul, etc). A sistematização dessa língua se deu em raros momentos, como na obra de Ermano Stradelli, o conde italiano que aportou na Amazônia no último quartel do século XIX, trazido pelos influxos do ciclo da borracha.

Ele escreveu o monumental Vocabulário Nhengatu-portugues/Portugues-nhengatu, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no ano de 1926, que foi quando morreu. Teodoro Sampaio, em seu parecer para a publicação do trabalho, afirma que Stradelli “inventou” palavras que não existiram, criou neologismos em nhengatu.

Mas o livro é fundamental para conhecermos um pouco da cultura Amazônica, especialmente da sua culinária. O verbete sobre o tucupi é o melhor que se pode encontrar sobre o tema em nossa literatura.
Publicou também “A lenda do Jupari”, além de textos em italiano que agora aparecem juntos, em português, no livro cuja capa aqui se vê.

Stradelli é a fonte número um de Câmara Cascudo sobre a culinária e o folclore amazônicos. Ele era fissurado pelo conde, tendo escrito seu elogio, intitulado “Em memória de Stradelli”, publicado a última vez em 2001.

Stradelli também esteve na cerimônia de assentamento da pedra fundamental do Teatro da Paz, em Belém. Viveu na Amazônia por 43 anos, indo às vezes à Itália; inclusive para concluir um curso de direito e voltar para trabalhar como advogado dos pobres.

Acertar o relógio atrasado

Dependendo apenas da vontade, certas coisas podem ser melhores do que são. Uma delas é o uso do champignon de Paris. Na família dos cogumelos, ele não é lá grande coisa. Muitos são bem melhores.

Mas tornou-se hábito. Mais do que qualquer outra espécie, vira-e-mexe, está lá, metido numa receita qualquer, dando aquele toque que o autor acha “afrancesado”. Para cumprir essa função, viaja para longe. Onde seja servido um filé ao molho madeira, está lá ele, em fatias, dando ares de respeitabilidade ao prato.

Quem ande pela zona cerealista, nos mercados atacadistas, encontrará o champignon de Paris em conserva, vendidos em baldes. Baldes de cogumelos cozidos, conservados em salmoura avinagrada. E em vidros menores também, para uso doméstico.

Mas, como mais e mais são comercializados crus, inclusive sem serem lavados e clareados com vinagre, evidenciando uma qualidade que pouca gente conhecia, é hora de reconhecer uma verdade: as conservas de champignon de Paris são horríveis. Os mesmos cogumelos in natura são verdadeiramente superiores.

Os molhos mais caretas, não raro (bem) engrossados com amidos; os usos mais insólitos (em pizzas, por exemplo) fazem das conservas de champignon de Paris o testemunho de uma época que acabou e que é preciso virar a página.

Se os cozinheiros passarem a exigir dos compradores de seus restaurantes os cogumelos frescos, de preferência sem lavar, a qualidade dos pratos melhorará muito. É uma questão só de vontade. E de alinhamento com o tempo. Como acertar um relógio que se percebe atrasado.

08/10/2009

Os federais da gastronomia

Sempre me preocupei com a formação das futuras gerações de profissionais da gastronomia. Onde iriam se formar? Nas faculdades privadas, onde os cursos e toda sorte de atividades custam uma fortuna, ou a esfera pública acordaria para o tema, propiciando uma formação mais democrática?

Aqui, entre nós, as universidades estaduais nem querem ouvir falar disso (exceção feita a uma disciplina optativa na ESALQ). A FAPESP se arrepia só em ouvir dizer que tem gente que gostaria de propor iniciativas de pesquisas com orientação gastronômica. Ainda pensam a gastronomia como sinônimo de luxo, e a res pubica, com razão, é avessa ao luxo, ao exclusivo. Na confusão que fazem, estão cobertos de razão (e ignorância).

Mas nos últimos dias, em Fortaleza, onde fui participar de uma banca de concurso para contratação de professor na área de gastronomia para a Universidade Federal do Ceará, pude substituir o pessimismo pela esperança.

A iniciativa da UFC não é isolada. Já existe algo semelhante em Pernambuco; a Bahia trilha o mesmo caminho, e assim por diante. Fundos públicos vão, paulatinamente, sendo comprometidos com a gastronomia.

Por ser uma área nova, o próprio recrutamento se dá de modo especial. Acorrem candidatos de engenharia de alimentos, de nutrição, de química. Há profissionais oriundos da área de farmácia já engajados na gastronomia, e assim por diante. Isto significa que o espírito científico chega antes do glamour ou oba-ôba do mercado, como predomina nas faculdades privadas do eixo Rio-São Paulo.

Com o tempo, o resultado dessa diferença será muito positivo. Pesquisas e investigações necessárias, das quais as faculdades privadas passam longe, poderão ser feitas com fundos públicos. Quando observamos com isenção a gastronomia molecular e seus resultados vemos que é este o caminho verdadeiro.

Quando os jovens das instituições públicas federais se debruçarem sobre a culinária brasileira, teremos “uma Espanha” em nosso meio. O mais é ter paciência, esperar uma década para que estas sementes dêem frutos pujantes.

07/10/2009

Blog zero-bala

Eis o blog das Cinco Marias. Essas meninas são o bicho lá nos pampas gaúchos. É acompanhar para ver....

Decente

Comi ontem, em Fortaleza, um prato bem decente no restaurante Docentes e Decentes: feijão verde, cubos de queijo coalho, nata e coentro. Tudo numa cumbuca que vem à mesa fervendo. Claro, com um desnecessário queijo ralado por cima.

Mas é bem equilibrado e agradável, com grande potencial para uma releitura; quiçá substituindo o escodidinho, que já cansou... Comí acompanhando um refogado de carneiro, também decente.

06/10/2009

Vamos chegando ao chocolate!

Essa empresa brasileira fazia chocolate há mais de 100 anos. Mas fazia preguiçosamente, horrivelmente. Agora quer acertar o passo com o mercado. Faz chocolate a 70% de cacau. Falta melhorar a conchagem (afinamento das partículas por meios mecânicos e térmicos)para que as virtudes do cacau sejam melhor percebidas pelas células gustativas; excluir o aroma de baunilha, que interfere e mascara os aromas do cacau; melhorar o acentuado after taste amargo, através das técnicas adequadas de fermentação e torra. É o caminho, mas ainda não se chegou lá.
O chocolate será, assim, um produto gourmet. Dispensando-nos de recorrer aos importados na busca de qualidade.

03/10/2009

Santi Santamaria em questão

O debate entre Luiz Américo, Roberto Smeraldi e eu, sobre Santi Santamaria.

01/10/2009

O exótico em nós mesmos

O que é o "exótico"? O dicionário não deixa dúvidas: "não originário do país em que ocorre; que não é nativo ou indígena; estrangeiro". No entanto, usa-se muito no sentido do "que é esquisito, excêntrico, extravagante", aplicado aos produtos naturais do país.

O bacuri, o cupuaçu, o pequi, são exóticos? Não, não são exóticos! Exóticos são o trigo, o alface, o arroz, e assim por diante.

A inversão de sentido produz consequencias: aumenta a dificuldade de nos reconhecermos, favorece nos vermos como "estrangeiros na própria terra".

Claro, é apenas um detalhe. Mas os que buscam construir uma "identidade culinária" muito ganhariam usando as palavras corretamente.