30/07/2009

A luta de morte entre o couvert e as entradas

A competição gera inovação, repetem os adeptos dos métodos capitalistas como os mais eficazes para impulsionar a sociedade. Mas gera também a autofagia.
Os dicionários nos dizem que couvert é o “conjunto de apetrechos (toalha, guardanapo, talheres etc.) que se põe sobre a mesa para um repasto”, as vezes incluindo, na definição, o “conjunto de alimentos que integram o serviço ( pão, manteiga, pastas, azeitonas etc.) e que precedem a refeição propriamente dita". E por refeição “propriamente dita” entenda-se tudo o mais.
Já a “entrada” foi claramente caracterizada no modelo de cardápio da hotelaria, conforme Escoffier desenhou: entradas de carne, de ave, de caça e entradas mistas, além das preparações frias (galantines, patês, terrines, saladas, etc) constituem um importante capítulo da refeição, e nada tem a ver com hors-d´oeuvre ou antepasto, acepipe, pitéu – servido antes da entrada ou prato principal. Essa expressão surge já no século XVII.
Bom, tudo isso para dizer o seguinte: os restaurantes paulistanos cada vez mais borram as fronteiras entre o couvert e as entradas, elevando o preço do primeiro e afastando o cliente das segundas.
Conversei com donos de restaurantes que dizem identificar uma pressão do público por couverts alentados. Mesmo a critica gastronômica elogia os couverts fartos e variados, feitos com apuro. Então é normal que, por essa linha, um couvert custe entre 10 a 15 reais. No Rio, nos restaurantes tradicionas de classe média, geridos ainda pela sabedoria lusitana, aquele velho couvert ainda pode ser encontrado entre 3 e 5 reais. Couvert é couvert, entrada é entrada, ora pois! Aqui em São Paulo, o cliente come o couvert, pula a entrada e vai direto para o prato principal. Conclusão: o “bom couvert” está matando o capítulo das entradas.
Prefiro as “entradinhas” onde o chef se esmera em experiências mais livres, como essa compota de figo com foie gras laminado, que comi ontem no Picchi. E olha que o couvert lá é bom, mas caro para o meu gosto.

29/07/2009

Sobre a caprese e sua deliciosa vulgaridade


É engraçado. A salada caprese se tornou uma vulgaridade. Descolou-se da tradição italiana e, hoje, até restaurante com sotaque francês tem. Sem falar nos “kilos” que arremedam alguma coisa parecida. Vai pelos caminhos do carpaccio.
Dizer que ela depende da qualidade do tomate, da mussarela de búfala, do azeite de oliva e de manjericão é dizer pouco. É como a música Garota de Ipanema. Uma vulgaridade que, de tão conhecida, depende totalmente do intérprete para agrandar-se e tomar de assalto a alma.
Taí algo que pode dar dignidade aos concursos. Em vez de ficar fazendo essas brincadeiras excludentes (o melhor restaurante, o melhor chef, o melhor sei-lá-o-quê) seria mais útil concursos pontuais: a melhor caprese, o melhor carpaccio, o melhor pão de couvert, a melhor toalha de mesa, etc). Ao menos todos os chefs ficariam de olho nessas coisas que, até para eles, em geral passam batidas.
O meu voto é simples, no caso da caprese. Voto no Picchi. A caprese da foto mostra a fatia de um belo tomate morno, levemente fondant, um pesto equilibrado, uma ótima mussarela de búfala (certamente da Buffalina), um bom azeite e uma tapenade decorativa. No conjunto, dá vontade de comer de novo. Várias vezes.
Não é aquela coisa sem desejo, tipo: “Ah, não quero nada. Estou sem fome. Acho que vou de caprese”.

As anonáceas

Agora é época. Desde menino sempre gostei de pinha e fruta do conde. Me deliciava com as diferenças. Com o tempo, a família só foi aumentando: ata, atemóia, araticum, pindaiba. Até essa biribá (Rollinia mucosa) da foto. Deve haver muitas mais. Prefiro a pinha e a atemóia, pelo sabor. Mas há outro critério que condiciona preferências: a sensação “arenosa” da polpa. O biriba é nada arenoso; ao contrário, meio “gomento” (ou gosmento?) e muito agradável. Mas as que provei em Belém não eram muito doces. Já disse: fico com a pinha.

28/07/2009

Abrir castanha-do-Pará: resposta ao teste

Observei várias delas e contei: para se abrir uma castanha-do-Pará, as mulheres (e são sempre mulheres) executam entre 28 a 32 golpes de facão. As castanhas frescas vão sendo postas num recipiente (litro) e, depois, nos saquinhos plásticos. Nessa condição, não duram mais que dois dias. Mas também se pode congelá-las imersas em água.
Curioso que as mulheres que vendem castanha na rua, do lado de fora do Ver-o-peso, executam a mesma tarefa com 4 a 6 golpes de facão. Com isso perdem pelo menos 30% da castanha. Como é para consumo imediato, o público parece não se importar.

27/07/2009

Teste etnográfico

Quantos gestos são necessários para abrir uma castanha, isto é, quantos golpes de facão são executados para que a castanha seja liberta da sua casca?
A resposta correta [e se admite um desvio de 15%] dá direito a um beiju com castanha.

Mistura e seus combinantes


A lingüiça, o paio, o salsichão, carne seca, toucinho defumado. Isso tudo amontoado, em proporções desejadas, chama-se mistura, que se vê na foto acima. Cozida com o feijão, com a maniva, com o que for, resulta num prato básico da culinária brasileira, bastante decalcado na portuguesa. Abaixo, a senhora ralando a maniva,que se vende em saquinhos plásticos no Ver-o-peso.

24/07/2009

O minúsculo aviú

O aviú (Acetes sp.) é um camarãozinho mínimo [clique sobre a foto para ver melhor o tamanho do bichinho], de água doce, encontrado na foz do Tapajós. Ele e pescado com peneiras finas ou filó. Bastante apreciado no Pará, onde se come especialmente salgado. É usado em recheio de tortas e em omeletas.
Gosto em omeletas, bem como refogadinho sobre espaguete. Ou, ainda, fazendo com ele uma bisque, visto que tem sabor forte e pronunciado.
Alex Atala o utiliza como crosta em peixe feito na chapa. Espanhóis que estiveram por aqui fizeram souflê com ele.
Na foto, em primeiro plano, o saco de aviú à venda no Ver-o-peso. Custa R$ 14 o quilo e já se encontra em fim de temporada.

Botarga, poutargue: popular & aristocrática

A botarga, produto conhecido há 3.500 anos, desde os antigos egípcios, é fruto da desidratação ao sal e sol das ovas de tainha ou atum. Parece que se difundiu por todo o Mediterrâneo a partir dos fenícios.
Ela era um alimento fundamental na dieta dos pescadores que saiam ao mar. Hoje, quando essa necessidade desapareceu, pode transformar-se em produto de luxo. É um dos produtos oferecidos pelas butiques gourmands do grupo Petrossian (que a chama aristocraticamente de poutargue).
É muito interessante encontrá-la em forma “rustica” no Ver-o-peso. Em saquinhos de plástico, penduradas nas barracas que vendem peixe seco; ou em baciadas, nas bancas que vendem peixe fresco. É sempre ova de tainha salgada e seca ao sol, custando R$ 15 o quilo, quando na Casa Santa Luzia ultrapassa a marca dos R$ 400; no Petrossian, € 166.
São diferentes? São. A do Ver-o-peso é boa? Também. Tem sabor de aventura fenícia... (os fenícios não estiveram no Brasil para fazer inscrições incompreensíveis na pedra da Gávea?). Comi ontem com massa. Em breve farei em risotto, como Petrossian recomenda. E poderei rir um riso misto de aristocrático e pequeno burguês ixxperto.

23/07/2009

De que crítica gastronômica precisamos? - VIII

Bela matéria de Janaina Fidalgo sobre o pão de queijo e sua degeneração.
Ela mostra como a “comoditização” das “ammenities” é um caminho seguro para a sua perdição.
É chocante saber que hoje, graças à concorrência, o pão de queijo tem 85% menos de queijo do que quando, saltando das casas para ganhar as ruas, começou a ser comercializado por várias marcas, agora de expressão nacional. Nesse processo, de pão de queijo tornou-se biscoito de polvilho de qualidade duvidosa. Descaracterizado, de novo o pão de queijo busca abrigo nas casas, onde pode incorporar o queijo Canastra em quantidades generosas sem temer a perseguição policial.
Denunciar esses processos de degeneração é zelar pela qualidade gastronômica de nossa culinária.

Pirarucu, o rei dos rios


Pelas suas características organoléticas, e até pela sua história (ter servido de substituto nacional do bacalhau trazido pelos colonizadores), o pirarucu exige papel de destaque na culinária da Amazônia. É um animal magnífico, imponente, saboroso.
No próprio mercado Ver-o-peso se percebe que todo mundo tem consciência disso e o respeita. É o peixe mais caro, e o seu vermelho é exposto com orgulho e sentido estético. Por esse exemplar da foto pedia-se R$ 13 por quilo.
Abaixo, como um pirarucu da ilha de Mexiana (procure no mapa, e terá uma surpresa!) foi preparado no Dom Giuseppe, em Belém: frito na chapa, com jambu e um molho muito interessante de tucupi emulsionado com amido de mandioca.
É preciso que ele chegue aos mercados das outras regiões do país. E é fundamental que seja selvagem, fruto de manejo sustentável, sem ser transformado em “peixe de granja”, como fizeram com o salmão destruindo-o por completo.

22/07/2009

Do caldo ao fond, do fond ao caldo

Historicamente, os fonds da culinária francesa derivaram dos vários tipos de pot-au-feu. São a essência deles, filtrados e apurados.
Sistematizados por Carême, expressavam o âmago das coisas de comer, a alma capturada em meio líquido. Passando ainda por Escoffier, essa linha de desenvolvimento chega a Ferdinan Point que dizia, na forma de trocadilho: “Eu acredito, do fundo do coração, que se vai ao fundo [“fond”, que sempre usava no singular] dos molhos como ao fundo dos poços: é lá que está a verdade”.
Pedaços de um animal, legumes e ervas – eis a base, o princípio de tudo na Alta Cozinha. Depois vieram os coulis, da nouvelle cuisine, deixando as coisas falarem por si, sem necessidade de extrair-lhes a alma e concentrá-la pela longa cocção. E os fonds, voltaram à simplicidade, por inspiração de chineses e japoneses: caldos rápidos, aromáticos, sem concentração e "achatamento" do gosto. A alma, o gosto, flanando na água. Em termos ocidentais, se aproximaram, conceitualmente, do brodo italiano.
Na culinária do Pará, que é uma cozinha de águas (as coisas saem do rio para mergulhar nos caldos das panelas), os fonds aparecem de forma bastante simples, sem necessidade de reduções e longas cocções.
As arrêtes de peixes, como os belos espinhaços de pescada amarela da foto, alguns legumes, arromatizantes, e estamos conversados. A qualidade do caldo é um fim em si, não a base para desdobramentos em molhos elaborados de modo complexo.
Entre nós, no Sudeste, não se vendem coisas assim, como no Ver-o-peso. Se você quiser fazer um simples caldo, precisará ir atrás do peixeiro, pedir o favor de lhe arrumar o descarte dos peixes que ele, fuçando no lixo, lhe dará de bom grado. Falta-nos a ciência dos caldos simples e saborosos.

21/07/2009

A straciatella cabocla

Em Abaetetuba, no Pará, há um restaurante bem aprazível, à beira rio, instalado sobre uma terraça palafitada. O Restaurante do JB. No cardápio, pescada amarela na chapa; peixada paraense. Todos bons.
Mas o cardápio me animou mesmo quando vi a oferta de sopa de turu. Decepção. Não tinha. Ou melhor, como dizem os portugueses, “tem mas acabou”. Então fui de sopa de caranguejo. Ótima!
A que já havia comido no Lá em Casa era feita com carne de caranguejo refogada e ensopada com temperos, legumes e batatas; engrossada com farinha d´água. Aromatizada com alfavaca, chicórea do Pará. A do Restaurante do JB, que se vê na foto, não levava legumes, mas ovos batidos. Uma autêntica e deliciosa straciatella cabocla. Talvez, no passado, tenha sido feita com ovos de tracajá...

As castas de camarões

Contam-se às centenas as espécies de camarão, de mar e de rio. Dentre os de rio, o mais nobre é o pitú. Mas esses da foto, pequeninos, são também muito bons. Comi em Mazagão, Amapá.
Numa época em que a carcinicultura vem estragando o sabor dos camarões, é realmente um privilégio consumir camarões selvagens. Os de rio são mais rijos e de sabor mais forte do que os de mar. Necessitam, para evitar a rigidez excessiva, uma cocção mais leve. Coisa bem difícil, senão impossível, por esse Brasil afora. Seja como for, estavam muito melhores do que aqueles que eu mesmo preparei em Jericoacoara, provenientes de criação confinada e que tingiram minhas mãos de corante laranja dificil de tirar.

20/07/2009

Remanso do gosto em Belém

Foi por mero acaso. Topei com o Thiago Castanho em Belém, no restaurante Dom Giuseppe, onde trabalha sua namorada, Iuca, jovem engenheira de alimentos. Foi um prazer e grata surpresa reencontrá-lo, depois de dois anos da minha primeira visita ao restaurante da família, o Remanso do Peixe. Combinamos ali mesmo um jantar, para sete pessoas, dois dias depois.
No dia seguinte fomos juntos ao Ver-o-peso. E ele nos convidou para, no dia do jantar, fazermos um passeio de barco, almoçando no Saudosa Maloca, numa ilha logo em frente a Belém. E lá fomos nós, com o “casal vinte” da culinária paraense. Pela duração do passeio, temi pela preparação do jantar.

Ledo engano. Às sete e meia lá estávamos, empunhando um vinho rose do Douro e malas prontas para rumarmos para o aeroporto, em direção a Macapá.
Thiago mostrou as modificações no restaurante, ampliado em espaço e conforto nesses últimos anos. Nos acomodamos no salão e logo veio a entrada: uma casquinha de caranguejo no copo, coberta com farofa e uma patinha de caranguejo frita empanada. Uma entrada delicada, equilibrada, sem aquele empanturro de bechamel ou equivalente que usam por aqui para ligar desnecessariamente a carne do crustáceo.
Depois, bem, depois é que foram elas: umas lagostas grelhadas com farofa de cebola frita; moqueca paraense; filhote na brasa, acompanhado por farofa de banana e batatas-doces grelhadas. Tudo junto, para que cada um se servisse ao bel prazer, como numa mesa brasileira farta de um tempo que vai ficando para trás, substituída pela andadura compassada, consagrada nos cardápios de restaurantes.

Por mais que goste de lagosta, e por mais que tivesse saudades da moqueca paraense, foram o filhote na brasa e seus acompanhamentos o ponto alto da refeição. Aliás, em ponto perfeito: crosta crocante, interior úmido e macio, sabor sem igual. Sem falar da farofa de banana que, de acompanhamento, parecia um prato em si. Foi uma refeição e tanto, de agrado geral para os sete paulistas deslumbrados à mesa. Pessoalmente, prefiro a pescada amarela de Belém ao filhote. Mas o prato balançou minha convicção.

As sobremesas, saborosas, todas com coisas da terra – fruta pão, cumaru, bacuri, castanha do Pará, etc – recebem nomes clássicos de fantasia: tiramissu, creme brulée, pudim. “Mesmo assim, o pessoal aqui tem muita resistência a esses experimentos”, diz consciente da impropriedade.

Seguramente o Remanso do Peixe é o seguidor e sucessor na linha de revelação da rica culinária local, iniciada por Paulo Martins e sua mãe no Lá em Casa. Apesar de muito jovem (tem apenas 21 anos), Thiago já evidencia amplo domínio das coisas da terra.
Me mostrou, no Ver-o-peso, muito desse saber. “Veja isso aqui. É a botarga que vocês tanto apreciam”, disse me mostrando os saquinhos pendurados numa barraca, com ovas de tainha salgadas. E me apresentou onde se escondiam a baunilha da Amazônia, o cumaru, a priprioca... Apenas a iquiriba ou embiriba (Xylopia sericea), que mostrei a ele, ele não conhecia. Ufa!
Thiago Castanho será o Rodrigo Oliveira da culinária paraense. É apenas questão de tempo. Também de um pouco mais de exposição na mídia especializada que, apesar de lerda, sempre acaba chegando lá. Ele se formou no Senac Campos de Jordão. Esteve por seis meses em Portugal, com Victor Sobral. Quando o encontrei pela primeira vez, me fez um horrível tamuatá (culpa do peixe, claro, que eu insisti em experimentar) e um excelente pitu na brasa, além da moqueca paraense – que é um pout-pourri de coisas da terra à maneira de moqueca.
Mes que vem, o irmão de Thiago, Felipe, é que virá para o Senac Campos de Jordão iniciar a sua formação. Em breve, numa família que não era "do ramo", teremos dois especialistas. É essa multiplicação de jovens talentosos que acabará por fazer a hora e a vez da gastronomia brasileira.

O poder do lugar

Em Mazagão, Amapá, o cenário bucólico de um braço de rio. Em expedição a casas de farinha, na busca das "drogas do sertão", é quase inevitável para o visitante uma parada na prefeitura. E ele toma consciência de que nada, absolutamente nada, é sem dono; que não existe "floresta virgem" ou intocada. Tudo é transacionado com o poder do lugar.

10/07/2009

Convite para a segunda rodada

Talvez estejamos diante de uma importante guinada na gastronomia: a “exaustão das receitas” e a horizontalização da última “revolução técnica” (nanotecnologia e informatização das cozinhas) apontam para a possibilidade de se trabalhar com maior liberdade e criatividade os ingredientes.
Ingredientes são entendidos como tudo aquilo que entra como matéria prima num processo de produção. Um queijo minas, que é um produto, entra como ingrediente na preparação do pão de queijo. Assim, cabem na categoria tanto produtos in natura como aqueles mais elaborados.
Qual a situação geral dos “ingredientes brasileiros”, isto é, aqueles que de alguma maneira possam ser identificados com a nacionalidade? Há, necessariamente, que distinguir a perspectiva histórica, cultural, da perspectiva presente. Esta última diz respeito aos ingredientes ativos, que são utilizados de forma ampla ou restrita, por populações urbanas ou rurais.
É desejável que os palestrantes abordem questões relativas a acesso, logística, legislação de proteção, processos que ameaçam sua existência, “descobertas” recentes, etc, além de ações públicas (de ONGs, de órgãos públicos, de particulares) visando produzi-los, preservá-los, democratizar o consumo. Interessa também abordar as relações sociais que estão por trás da sua produção (sustentabilidade etc.). Além disso, vale compartilhar quais são os processos de investigação de um ingrediente, como chegam a novos usos, a aplicações que se diferem das já consagradas pelo receituário de domínio público, etc. O que motiva a busca e a investigação de um novo ingrediente? E o que faz um ingrediente sumir e quase entrar em “extinção”?
Gente que entende da coisa reunida para informar e discutir com todos os interessados. Entrada franca.

08/07/2009

Monstruosidades geométricas na culinária

Muito simpático o blog do recifense Daniel Buarque, jornalista e historiador. Ele aceitou os questionamentos que fiz aqui, sobre o uso indiscriminado do leite condensado. e comparou na prática o pudim de leite feito com o dito cujo com aquele feito segundo a receita tradicional que eu sugeria, conforme ele mesmo coletou no Larousse Gastronomique.
Outro dia, a Neide Rigo também postou uma receita de pudim, sem leite condensado mas com quatro ovos inteiros para meio litro de leite. O da Neide, como se vê pela foto no blog dela, deu certo. O do Daniel, não deu certo na consistência, conforme seu relato e foto. Muito provavelmente, houve uma diferença de tratamento térmico (tempo e temperatura de forno e banho Maria), pois os ingredientes de ambos podiam resultar, com segurança, num produto igualmente firme.
O da Neide, que não experimentei, aromatizado com priprioca, pode ter tido uma consistência mais próxima do que chamamos “flan”, pela maior concentração de clara. Mas tudo é “pudim” no nosso modo sintético de expressão.
Ora, o importante é que Daniel Buarque diz, em resposta à pergunta que fiz: Leite condensado condensa o que?, bem, “condensa as emoções de quem come desde criança, e condensa pelo menos o pudim, que fica mais consistente (condensado) e mais “tradicional”. Seu argumento é que “já existe uma nova geração de pessoas que tiveram o paladar formado em grande parte pelo sabor do leite condensado”.
Claro, cada um se emociona com aquilo que efetivamente o “toca”. Leite condensado, miojo, sei lá... Nada disso tem um sentido ético que exija recriminação. Estamos falando do lúdico apenas. Por isso acho o leite condensado um empobrecimento das diferenças culinárias, um embotamento da criatividade. Assim como a Nutella, conforme tenho insistido. Toda padronização, como uma unanimidade, não é lá muito inteligente do ponto de vista gastronômico.
Mas deixemos de lado o leite condensado. O que dizer do caldo de carne? O da Knorr, por exemplo. Os tais cubinhos. Há toda uma geração que se formou tomando caldos de carne produzidos por essa divisão da Unilever. Todos os “sabores” estão, invariavemente, atolados em quantidades indescritíveis de glutamato monosódico, o sabor umami produzido pela Ajinomoto.
E a coisa é tão forte que, há alguns anos, quando a Knorr lançou o mesmo produto em pó, seu marketing anunciava: “cubinhos em pó!” Reiventaram a geometria para não reinventar a culinária. (Será que é influência da esferificação?). De qualquer forma, estou curioso para experimentar círculos em pasta, caso venham a lançar algum produto assim...
O bom dá trabalho, exige espírito aberto, vontade de conhecer outras coisas das quais a indústria tem mantido os jovens apartados, oferecendo-lhes, como alternativa, a geometria pós-euclidiana e pós-tudo.

Paula Pinto e Silva, a antropóloga da alimentação brasileira

Paula Pinto e Silva é mestre e doutora em antropologia social pela USP. É das raras estudiosas nessa especialidade acadêmica a se dedicar ao estudo da alimentação no Brasil. É autora de “Farinha, Feijão e Carne Seca – Um Tripé Culinário no Brasil Colonial” (Senac, 2005), um livro fundamental, e organizadora de “Arte de Cozinha de Domingos Rodrigues – 1680” (Senac, 2008), entre outros artigos sobre antropologia e alimentação. Ela acaba de publicar uma resenha de meus últimos livros na Trópico que, infelizmente, só é acessível para os assinantes da Folha ou do Uol. Quem puder, dê uma chegada lá.

06/07/2009

Grande Hotel Águas de São Pedro


Há anos, desde que foi reformado, costumo passar fins de semana no Grande Hotel Águas de São Pedro.
Gosto daquele jeitão de hotel de O Iluminado, do Kubrick, especialmente pelos corredores.
E gosto daquele nervosismo do pessoal em treinamento, dos pratos chapados na tradição clássica da hotelaria à Escoffier, ainda que sem a grandeza que tiveram; da feijoada de sábado e da possibilidade de fazer absolutamente nada, e sem culpa quando chove. “Só trabalho, sem diversão, faz de Jack um bobão” parecemos escrever no ar, ainda que sem o suspense d´O Iluminado.
É um hotel confortável. A cozinha se esforça, o serviço é atencioso. E, sempre que você vai, tem alguma coisa de O ano passado em Marienbad: tudo se repete.
A graça é viver, por alguns poucos dias, entre os dois filmes. Além dos resquícios de um decô que sempre me descansa do neo-clássico com o qual os júlios neves da vida poluem nossas vidas. As árvores cercando o hotel, os quatis passeando entre elas, são descanso adicional.
Comi um excelente magret de canard, uma ótima salada de frutos do mar (o polvo um pouco borrachento, mas os camarões em ponto que aprecio) e uma paella saborosa. Para três dias, está bom. Até a Nutella estava no lugar certo: no café da manhã, e não nas sobremesas. Mas preferi os excelentes waffles com maple.
Mas nem tudo é perfeito. Sendo um hotel-escola, deveria se demorar mais sobre as boas práticas atuais. As cocções à baixa temperatura, por exemplo. O uso mais moderado de açúcar. O frescor dos ingredientes: há profusão de ervilhas frescas no mercado, então por que sopa de ervilhas secas? E a carta de vinhos um pouco enciclopédica demais para o meu gosto. O parque em torno do hotel, que pretende ser pedagógico, também erra nas informações: o quati não é um animal carnívoro, como informa a placa de identificação.
Mas o maior defeito: guardanapos de tecido sintético, uma lixa para os lábios. Por que? Quando o algodão perdeu o seu lugar? Claro, os de algodão são mais caros. Mas o público do hotel não é exatamente aquele que clama por economias mesquinhas. Então, estamos diante de uma substituição com imperdoável perda de qualidade.
Mesmo assim, sempre que calha, volto lá...

03/07/2009

A identidade culinária

No que a culinária contribui para a identidade de um povo? Há quem ache que ela tem o mesmo papel que a língua, como Santi Santamaria. Ele se refere ao conjunto de características e circunstâncias que distinguem uma localidade diante do mundo e das demais localidades.
Mas vejo, às vezes, uma aplicação diferente, como se a culinária devesse sustentar a “consciência da persistência da própria personalidade”. Identidade igual a ego.
Muita gente acha, como Santamaria, que a fastfoodização do mundo destrói as identidades, ao criar a homogeneização do comer. Mas isso não acontece só com o MacDonald's. Acontece também com a pizza.
Ontem vi uma reportagem na TV, onde um camarada ensinava a fazer pizza de arroz-com-feijão. Quer dizer que a nossa identidade está no recheio, e não passa pela massa? Pizza de brigadeiro, de goiabada, de pêssego com catupiry, são coisas “nossas”, que alimentam nossa identidade? Ou são barbarismos sem fronteira? Coisas que, só de lembrar, me dão engulho (põe ai minha identidade fora disso, por favor).
Só quem come arroz-com-feijão ou come as comidas típicas locais, as comidas das avós, é ou se sente brasileiro?
Seria melhor reconhecer que há múltiplos planos identitários. E que talvez as pessoas entrem realmente em crise de identidade quando não comem o que gostam por muito tempo. E se gostam de MacDonald's, sua identidade culinária mudou, não desapareceu. São como qualquer pessoa que come pizza em qualquer lugar do mundo, com horríveis recheios...
Há pessoas de personalidade forte, muito centradas, às quais é praticamente indiferente o que comem. Suas identidades não passam pelos pratos.
Um povo come o que come, e isso vai mudando com o tempo. Assim como a identidade de cada um.
Mas há momentos na história em que a identidade culinária de um povo se torna uma questão de alto significado político. Como foi na Cataluña saída do franquismo, quando os cozinheiros trabalhavam com afinco para “desenterrar” as receitas locais, assim como os filólogos se ocupavam da língua, os historiadores da história local, etc. Será que, no Brasil, vivemos um momento desses?

O resgate

Vira e mexe, quando aparecem um novo bar, restaurante, ou simplesmente o novo cardápio de uma casa já estabelecida, vêm acompanhados da expressão: “resgata a culinária nordestina”, ou “resgata receitas brasileiras”, etc. E daí segue-se um baião-de-dois, um escondidinho, uma banana com mel de furo, um pão que era feito numa padaria que já não existe, uma coisa banal assim.
O que quer dizer exatamente resgate? No Houaiss diz-se que é “libertar mediante o pagamento de quantia determinada” ou, ainda, “recolhimento de náufragos, passageiros de veículos sinistrados, cadáveres etc”. Acho que o sentido com que as pessoas usam em culinária é mais o de recolhimento de náufragos, de cadáveres.
No discurso gastronômico, é preciso acabar com essa mania de achar que aquilo que não está no ângulo de visão da classe média, morreu ou está em perigo. Há uma culinária popular viva, pungente, pujante, que simplesmente estava à margem do interesse dessas pessoas. Não é porque acordaram que o mundo precisa ser “resgatado”.
Há historiadores e antropólogos que, estes sim, às vezes se dedicam ao “regate” de coisas mortas, inativas. Nem todos, mas alguns - pois acham que é coisa válida para efeito de raciocínios sobre dinâmica cultural, para sustentar argumentos históricos, etc. Daí a saber se elas têm valor culinário presente é uma longa história.
Quem decide sobre isso são as pessoas que comem, não os intelectuais dedicados ao estudo da alimentação. Mas às vezes estes acham que os cozinheiros deveriam cozinhar tudo o que está escrito em papéis velhos, em cadernos de sinhás, ou é contado por velhos há mais de 200 quilômetros da casa do pesquisador... Acham que isso reforçaria nossa identidade.

Cotecchino



Acima, a bonita foto de cotecchino, feita por Pedro Martinelli, esse descendente de fuori muri lucchese. Ele conta resumidamente no blog uma história, que me contou em detalhes e que é hilária, sobre a perseguição que moveu a um comerciante que o chamou de fuori muri lá em Lucca mesmo.
Pedro faz o melhor cotecchino do Brasil! Menos do que devia, é verdade; pois raras vezes fui agraciado com alguns exemplares. Ou faz e come sozinho, na moita.
Então, outro dia tive que comprar uns da Ceratti. Gosto do seu codequim, como chamam, e do zampone. Mas o que comprei devia ter sofrido algum acidente, não é possível! Tinha um gosto indisfarçável de plástico ou coisa assim. Incomível!! Tive que pôr fora, e tivemos que nos contentar só com a lentilha, que estava muito boa, obrigado.
Por que existe recall só de automóvel, computador, essas coisas sem importância? Por que não existe recall de cotecchino?

02/07/2009

A Tailândia daqui


Essa coisa da Tailândia vem de longe. Veja só a jóia que a Nina Horta publicou faz mais de 10 anos!


A Tailândia é aqui, a Tailândia não é aqui
São Paulo, sexta, 6 de junho de 1997.

NINA HORTA

Há um restaurante novo e tailandês na cidade antiga. Tropeçando e torcendo o pé pelas ruas à procura dele, alguém lembra da velha queixa de um dos mais antigos frequentadores do lugar: "A única coisa que falta aqui é um corrimão". Pois viria a calhar.
O restaurante tailandês é perto do cais e faz lembrar a cidade na sua era hippie. Uma recepcionista vestida de Aladim com bustiê de crochê nos recebe numa sala que é um transbordamento de painéis e bordados e cortinas e colunas que dariam para sustentar um palácio.
Esculturas de dançarinas guerreiras em pose de xícara, o rosto para um lado, as mãos empurrando o ar para o outro e a perna dobrada contra o joelho. Não conhecemos a Tailândia, lá deve ser assim também.
Pedimos de entrada "chicken satays", espetinhos de escalopes de peito de frango. Como segundo prato, um peixe embrulhado em folhas de banana, feito na brasa.
Um garçom solícito, bonito, atende todas as mesas, que não são tão poucas. Há todo tipo de gente, como costuma acontecer nesta cidade à beira-mar plantada.
Chega a cerveja e está quente. Reclamo e a Aladim sorri e caminha com passinhos de robô sem tomar providência nenhuma.
Casais estapafúrdios namoram e pedem sucos de manga, mas a nossa entrada não chega nunca. Acho que há que se estar apaixonado para ir a restaurantes, quando nada importa, tudo tem graça e cor.
A moça de óculos, intelectual que tomava uma sopa gostosamente, estacou, surpresa, e chamou o garçom bonito, apertando uma coisa que achara na comida entre os dedos.
Podia-se quase ouvir o barulho da engrenagem do cérebro dele para explicar o que era aquilo. Afinal, saiu-se bem. "Raiz de lótus. Um pedacinho de raiz de lótus." Menos mal, exótico.
E a entrada não chegava. Isto já me aconteceu em outros restaurantes tailandeses do país. Qual o mistério deste espetinho de frango? Se alguém colocá-lo sobre um palito de fósforo aceso consegue fazê-lo ao ponto. Chegou esturricado e sem sal, mas chegou.
O segundo prato, o tal de peixe, era uma brincadeira. Um peixinho mínimo daqueles que só gato consegue comer e que nunca havia passado por brasa nenhuma. Tinha por cima um molho de tomate, coentro e pimentão.
Não aguentamos e chamamos o garçom criativo. Ele já chegou perguntando: "Querem que eu vire o peixe?". Queríamos. Quem sabe do outro lado...
A engrenagem inteligente começou a ranger de novo: "Por incrível que pareça há um consenso culinário que diz que tanto aves como peixes são melhores quando muito jovens. Este aqui é um robaliiiiinho".
Ficamos contentes por não termos pedido um frango assado, pois seguindo a teoria, teríamos um "pintiiiiinho" arrancado da mãe galinha. Garçom esperto.
A sobremesa era abóbora cozida com leite de coco, mas demorava para fazer e a conta veio apresentada sobre uma folha de bananeira, um ramo de primavera e uma trufa congelada.
Outra arapuca tailandesa. A Tailândia não é aqui, com certeza.

Tailândia: a expansão da imaginação

Costumo brincar dizendo que a Tailândia é um país imaginário, como a Bulgária do escritor Campos de Carvalho. Culinariamente um reino da imaginação em expansão mundial.
Aqui, abriu agora o Marakuthai. Veio da ilha Bela. A chef, Renata [foto], que também veio de lá, é uma princesa de 20 anos. Precoce. Já aos 17 anos começou a provação que incluiu o ritual de passagem: quatro meses em Barcelona, três no sul da França. Assim é que se faz um chef, não é mesmo? Sete meses fora de casa, longe da família, é, para adolescente, uma provação e tanto. Mas não esteve na Tailândia, o que me reforça na idéia de que se trata mesmo de um país imaginário.
Diz o Josimar, que já foi conferir o restaurante, que ele é um tailandês do tipo que se dedica a “servir pratos contemporâneos com inspiração tailandesa, refletida em ingredientes, como coco, gengibre, pimentas, arroz jasmim, e no uso da panela wok. Na prática, é uma inspiração mais de forma do que de conteúdo, uma sugestão asiática que não se reflete tanto assim nos sabores, que aqui são bem mais tímidos”. Quer dizer: na imaginação do Josimar, a Tailândia é heavy; na da moça, soft. Isso é o bom de ser imaginário. Cabe tudo.
Enquanto os chefs têm como ideal o conhecimento profundo de certas culinárias (brasileira, francesa, italiana, japonesa, chinesa, etc) e o mercado valoriza chef formados "autenticamente" nessas tradições, através de profundos mergulhos vivenciais, o mesmo não ocorre com a comida tailandesa. O mercado admite que este seja um sistema referencial "aberto", passível de inúmeras leituras que nada(ou muito pouco) têm em comum com a "tradição".
Um dos mais importantes livros de culinária, o The complete Asian cookbook, de Charmaïne Solomon, surgido no distante 1976, mostra uma Tailândia de comer bem diferente do que se vê por aqui. Na ausência de uma culinária muito sistematizada, as receitas foram observadas e descritas. Grandes chefs de hotéis e membros da nobreza tailandesa serviram de cobaia. Pois bem, das 49 receitas compiladas só encontrei 3 onde o gengibre é ingrediente. Vai ver Solomon não gostava de gengibre, e imaginou uma Tailândia toda sua...
Por mais ginástica que se faça, todas as cozinhas gravitam em torno de uma das três civilizações ou sistemas alimentares: a Índia, a China e o Ocidente. A Tailândia gravita em torno da China. Tudo o que é banhado pelo Mar da China é, estruturalmente, cozinha chinesa. Claro, alguns ingredientes fazem o papel de marcadores dos sistemas culinários específicos dos vários países.
É justamente porque resumem diferenças (história, língua, culinária) que são países diferentes.
Como o Camboja, a Tailândia também é território do antigo Império Khmer, que o Ocidente julga bárbaro. Mas a sua culinária é apresentada como o “lado ternura” dessa barbárie que estigmatizou o Camboja. E ainda produz muita cana, brinquedos, plásticos, computadores, sapatos, eletrônicos. Esses gadgets todos e essa cozinha imaginária cujo brilho, em boa parte, se deve à pimenta vermelha das Américas.
Claro, esse meu comentário é também imaginário. Pois bom mesmo é uma boa comidinha, com coco, pimenta – se quiser, gengibre – sem a leseira do azeite de dendê, uma boa conversa entre amigos, muita risada, e estamos conversados. Mas se for ao Marakuthai, evite apenas o “sorvete com calda de Nutella, pedacinhos de Ferrero Rocher, calda e amêndoas” para não despencar da fantasia para o duro chão do junk food.

01/07/2009

Segundo encontro Entre Estantes e Panelas


Estão confirmados os convidados do próximo encontro Entre Estantes e Panelas (dia 13/07, às 18h, Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional) que terá como tema Ingredientes e Territórios. São eles:
ANA LUIZA TRAJANO, chef do restaurante paulistano Brasil a Gosto;
NEIDE RIGO, nutricionista, membro da Comissão Nacional da Arca do Gosto, do Slow Food, e autora do blog Come-se;
ROBERTA SUDBRACK, chef do restaurante de mesmo nome, no Rio de Janeiro e
ROBERTO SMERALDI, jornalista e diretor da Ong Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.
A mediação será feita por BETTY KÖVESI, que é proprietária da Escola Wilma Kövesi de Cozinha.
Reserve sua agenda.